O salário mínimo nacional está congelado nos 485 euros desde 2011. O último a atualizá-lo, depois de negociação em sede de concertação social, foi o Governo de José Sócrates. Nesse acordo, aceite pelos patrões, previa-se novo aumento para os 500 euros, logo no ano seguinte.
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E ajustes anuais daí em diante. Nessa altura, quase toda a gente estava de acordo que o salário mínimo não garantia uma vida digna. E que não correspondia a uma retribuição justa pelo trabalho de quase 600 mil portugueses. Mas depois chegou a troika. E chegou um Governo que anunciou, com gosto, que pretendia ir para além da troika. Sendo que um dos dogmas da troika, e portanto desse novo Governo, era o de que o custo do trabalho em Portugal era demasiado elevado. Todo o trabalho, incluindo o trabalho que já era pago de forma miserável. Argumentava-se, a toda a hora, que atualizar o salário mínimo retirava competitividade ao país. Pesados os pratos da balança, as luminárias optaram por retirar a comida da mesa a retirar competitividade. Foi o tempo das contas da macroeconomia, em detrimento da vida de cada um de nós e sobretudo da vida de cada um dos mais frágeis de nós.
Mas, o que nos dizem as contas que importam, quando em causa está a dignidade de 600 mil pessoas e respetivas famílias? Dizem-nos que os 485 euros que recebem equivalem a ter disponível não mais do que 14,38 euros para gastar em cada um dos 30 dias do mês (é preciso retirar os 11% de Taxa Social Única). Se o cidadão que leva para casa o salário mínimo tiver um agregado familiar, digamos, de três pessoas, e nenhuma delas tiver outra fonte de rendimento, dá 4,79 euros por dia para cada um. Para comer, pagar a renda, pagar água e luz, vestir, pagar o transporte para o trabalho ou para a escola. A única pergunta que ocorre é como se sobrevive assim?
Fazendo as contas, já não ao rendimento disponível, mas ao que se ganha por uma hora de trabalho, dá qualquer coisa como 2,45 euros líquidos. A única pergunta que ocorre é se não era suposto já estarmos num estado civilizacional que dispensava a escravidão?
Esforçando-me por fazer uma interpretação benévola (eu sei que é difícil) da afirmação de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, há de facto muitos profissionais da pobreza em Portugal: cerca de 600 mil pelo menos. Vale a estes portugueses de segunda (ainda há os de terceira, que trabalharam pelo salário mínimo e entretanto perderam o emprego e depois o subsídio) que o ano de 2015 está à porta e com ele virão eleições legislativas. E 600 mil são muitos votos.
Assim, vingando a proposta do Governo, agora muito preocupado com o estado de indigência a que chegaram os profissionais da pobreza, estes poderão contar com mais 7 cêntimos por cada hora de trabalho, talvez já a partir de outubro. E se porventura o poder mudar de mãos para o socialista António Costa, o mais generoso demagogo dos últimos dias, serão mais 18 cêntimos líquidos por hora de trabalho. Já podem começar a abrir as garrafas de champanhe. Está terminado o ciclo de pobreza, podem voltar a viver acima das vossas possibilidades.