Pertenço ao conselho geral de uma instituição do ensino superior público e nessa qualidade fui chamado a pronunciar-me sobre uma proposta de aumento (em cerca de 6%) das propinas para o ano letivo de 2013/2014. Votei contra a proposta, a qual, porém, acabou por sair vencedora.
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A força institucional de uma escola e a sua relevância social enquanto casa do saber e do conhecimento dependem da unidade moral entre as comunidades docente e discente. O professor não é nada sem o aluno. O seu saber e conhecimento restarão inertes se não tiver a quem o transmitir, se não houver quem queira recebê-lo. E mais do que transmitir conhecimento, a principal tarefa do verdadeiro professor é a de ensinar a gostar de aprender e, sobretudo, a de ensinar, a de entusiasmar o aluno pela procura de novos saberes, pois só assim se abrirão novos horizontes ao próprio conhecimento.
Os alunos não são clientes dos estabelecimentos do ensino superior dignos da sua função social numa sociedade democrática, nem os professores são seus meros empregados ou prestadores de serviços. Ambos são sujeitos e titulares efetivos daquela relevante função social. Por isso, transferir progressivamente para os alunos os custos de um "serviço" que o Estado devia tornar progressivamente gratuito (Constituição dixit in artigo 74, n.o 2, alínea e)) revela, desde logo, uma opção pelo facilitismo e pelo comodismo: a de ser fraco com os (que se pensa serem) fortes e a de ser forte com os (que se pensa serem) fracos. Mas, pior do que isso, conduzirá inevitavelmente à quebra da unidade moral entre as duas comunidades escolares, pois mostra que não se hesita em tratar os alunos como clientes e, assim, corromper irreversivelmente a matriz ética e social do ensino superior público.
Mas a questão pode e deve ser olhada a partir de outro ângulo. As propinas assumem a natureza de uma taxa. As taxas são quantias que o Estado cobra aos utentes de certos serviços públicos, precisamente pela prestação desses serviços. Ao contrário dos impostos, as taxas só são pagas por quem usa certos serviços. Trata-se de quantias inferiores ao valor que esses serviços teriam no mercado, pois, de outra forma, seriam preços e não taxas. Tecnicamente, a principal função das taxas é a de "moderar" o recurso a certos serviços públicos. Por isso, algumas até se chamam mesmo "taxas moderadoras". As taxas servem para "moderar" o recurso aos hospitais e centros de saúde, aos tribunais e à justiça, o uso das autoestradas e assim sucessivamente.
Sucede que, em Portugal, infelizmente, as taxas perderam, há muito, a sua função moderadora e passaram a ser, sobretudo, criadas e tratadas como uma fonte autónoma de financiamento dos serviços. O Governo, em vez de racionalizar o funcionamento dos seus serviços e financiá-los adequadamente, lava daí as suas mãos e cria ou aumenta (ou manda aumentar) as taxas que eles cobram. A dotação que o Governo atribui aos tribunais não chega para financiar a justiça? Não importa, os juízes que condenem os cidadãos mais vezes em taxas de justiça e em montantes cada vez mais elevados. A dotação que o Governo atribui ao ensino superior público não chega para custear o funcionamento digno das escolas? Então os professores que aumentem as propinas. A dotação que o Governo entrega às forças policiais não é suficiente para que cumpram a função de garantir a segurança das pessoas e dos seus bens? Não interessa, os polícias que apliquem mais multas. E, na verdade, é o que tem estado a suceder, sobretudo com as multas de trânsito, em que os agentes não atuam para impedir a prática das infrações, antes se emboscam nas estradas e autoestradas com vista a "apanharem" (e multarem) os infratores.
No caso dos estabelecimentos do ensino superior público, as propinas acabarão inevitavelmente por cumprir a função das taxas que realmente são: a de "moderar" o uso do respetivo serviço - que é o que nenhuma escola está interessada que aconteça. Por isso, era bom que os professores (que são quem na realidade manda nos estabelecimentos de ensino superior público) saíssem da sua "zona de conforto" e encarassem a questão a partir de um ângulo mais racional.