O programa desta segunda-feira, dedicado aos primeiros 100 dias de mandato do novo presidente da Câmara do Porto, foi uma boa oportunidade para percebermos melhor qual o sentimento dos cidadãos em relação a um eleito revestido de novidade e de expectativa popular. Não foi muito feliz o layout escolhido. Rui Moreira parecia estar num julgamento, isolado num palco e rodeado pelas paredes das catacumbas de Mijavelhas, magníficas mas austeras como o Coliseu de Roma.
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Fez bem em levantar-se de quando em vez, aproximando-se e procurando interagir com afetividade e simpatia.
E em larga medida conseguiu-o. Esteve especialmente bem na dimensão da política partidária ao reconduzir-se às opções tomadas e expressas na formação da sua vereação e mantendo o ónus das atuais dissidências e reconfigurações sobre as costas de quem as provocou.
Conseguiu igualmente demonstrar que tem um capital intocado no que se refere à capacidade de relacionamento institucional, tendo baixado a tensão que se sentia de forma muito aguda nos mandatos anteriores.
E tem razão quando diz que progredir nos índices de coesão social é um desafio que deve envolver todos os protagonistas da cidade.
Já não foi tão cristalina a visão do presidente quanto às temáticas económicas e culturais. É preciso ter ideias muito claras sobre quais os fatores de competitividade que as políticas públicas podem induzir e trabalhar nesse sentido, junto do Poder Central e dos empresários. Numa perspetiva de incansável lobby a favor da cidade e da região que precisa de objetividade e de atuação discreta e eficaz.
Houve apenas um ponto fraco: a forma como o presidente aborda o próximo ciclo de fundos comunitários.
É fundamental que baixe o tom e que mude de argumentos. Gritar contra Lisboa com os argumentos apresentados é perder a razão.
Como é possível dizer que só temos mais dinheiro (no envelope regional) porque nos atribuíram uma parte do programa temático com Fundo Social Europeu? Temos mais dinheiro diretamente gerido pela Região porque sim. Ponto. São 3,3 mil milhões de euros contra os 2,7 dos sete anos anteriores. Que uma parte seja Fundo Social Europeu (FSE) é ótimo. Ou a qualificação das pessoas de repente deixou de ser importante? Só o FEDER, o fundo que pode apoiar obras e infraestruturas é que interessa? Uma parte significativa desse envelope de Fundo Social Europeu que vai ser gerido diretamente pela Região destinar-se-á, pela primeira vez, a apoiar os nossos investigadores. Isto é mau? Onde fica então o apreço tão repetido pelas universidades do Porto e do Norte?
Quanto à questão da regeneração urbana, também não é correto dizer que desapareceu das preocupações. Ao contrário, e pela primeira vez, a União Europeia estabeleceu uma meta: no mínimo 5% das dotações FEDER atribuídas a cada Estado-membro devem ser investidas em ações integradas de desenvolvimento urbano sustentável.
Depois, a celebrada questão do "spill over". Insurgir-se contra movimentos de reforma da administração central porque fisicamente as sedes dos serviços estão maioritariamente em Lisboa não faz qualquer sentido. Como facilmente se verificará não se podem fazer reformas da administração setorial por região. O que se pode e deve é reclamar fazer parte do seu planeamento e alertar para especificidades territoriais que devem ser tomadas em conta.
A mesma coisa quando se fala de reclamar a gestão dos programas temáticos para fora de Lisboa. Só fará sentido mexer na gestão quando se alterar radicalmente a estrutura do quadro comunitário. Quando as vertentes setoriais forem menos vincadas e a integração territorial for levada realmente a sério. Outra coisa é, mais uma vez, exigir uma participação efetiva no planeamento. Aqui e pela quinta vez consecutiva as regiões fizeram a sua leitura integrada sem que os setores a tomassem em conta no desenho dos seus próprios programas operacionais. Resultarão redundâncias e sobreposições e, mais uma vez, será grande o risco de falharem os objetivos.
É pois por não assumir o papel federador dos interesses de uma região e por não impor o seu exercício de planeamento ao Poder Central que o presidente da Câmara do Porto falha.
Quando tradicionalmente se assumia que o presidente da Câmara do Porto é o presidente "natural" da Área Metropolitana do Porto, Rui Moreira declina a responsabilidade. E quando a Área Metropolitana do Porto planeia a natureza das suas intervenções prioritárias não consta, pelo contrário, que a Câmara do Porto siga o exercício com especial proximidade.
