O ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, referiu-se esta semana aos candidatos "messiânicos", oriundos da oposição mas também da área partidária que suporta o Governo, classificando-os como irresponsáveis por contribuírem para criar instabilidade política e, assim, prejudicarem o interesse nacional. Não me surpreende que um membro de um governo onde reina a mediocridade tema as movimentações de políticos como António Costa ou Rui Rio. É dos livros. A ascensão na escada dos cargos político-partidários assenta justamente em processos de marginalização, em que as vítimas são muito frequentemente os mais capazes.
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Numa conferência dedicada ao tema pós-troika, Aguiar-Branco explicou que a emergência de candidatos com aspirações à governação se deve apenas ao estrondoso êxito do programa de ajustamento, o qual colocou o país numa excelente posição para vencer os desafios que agora se colocam. Ora, com os principais problemas resolvidos, aparecem agora uns oportunistas que querem ser primeiro-ministro. O único problema desta narrativa é que a realidade a contradiz em toda a linha, razão pela qual recomendo ao Governo um "reality check", a título de urgência.
Como suspeito que os ministros do Governo da República não estejam abertos a uma leitura fiel da realidade, resolvi dar uma ajuda. E começo pelo FMI, cujo representante permanente em Portugal veio esta semana a terreiro dizer que a dívida portuguesa poderá não ser sustentável a prazo, acenando com a necessidade da sua restruturação ou recalendarização. É por demais óbvio que o país dificilmente cumprirá o objetivo de entregar excedentes primários para abater à dívida, tal como se comprometeu no quadro do Pacto Orçamental Europeu. Se o ajustamento previsto no programa de assistência tivesse sido um sucesso, como apregoa o Governo, então a dívida não teria escalado para os 136% do PIB. Felizmente que a realidade internacional nos mercados das dívidas soberanas nos tem sido favorável, tal como a todos os restantes países europeus, mas com este nível do rácio da dívida ninguém dorme descansado.
As restantes variáveis macroeconómicas, salvo melhorias marginais, como o desemprego que tem beneficiado de uma emigração (qualificada) que vai suavizando as estatísticas, mostram que nos últimos três anos nada mudou de substancial. As exportações, que haviam aumentado pelo esforço dos empresários mais arrojados, esses sim uns verdadeiros heróis, começaram a abrandar, com a taxa de cobertura das importações a degradar-se de novo. Quando, no início do ano, o encerramento temporário para manutenção de uma refinaria da GALP fez tremer as estatísticas das exportações, bem se percebeu que não aconteceu qualquer ajustamento e que a nossa economia está tão ou mais frágil que antes.
A famosa reforma do Estado tem sido uma espécie de brincadeira. Basicamente, assenta em três vetores: o corte transversal (cego) de salários e pensões, sem qualquer relação com o mérito; o brutal agravamento de impostos, ao nível do confisco; e as micromedidas de rearranjo administrativo, que nada mudam nos desequilíbrios setoriais e territoriais de que enferma o país. De quando em vez, revisito o documento Portas sobre a reforma do Estado e, para ser franco, não sei se me choca mais a falta de qualidade ou a descolagem da realidade.
É hoje consensual que algumas das extremas dificuldades que nos afetaram nos últimos anos resultaram da deficiente regulação, sobretudo no setor financeiro. A recente crise do Grupo Espírito Santo veio mostrar que, também aqui, persistem os problemas. A supervisão continua a dormir, pois descurou por completo o risco decorrente da ausência de informação na sempre cinzenta fronteira entre as áreas financeira e não financeira dos grupos económicos, o chamado "ring fence". E por muito que o governador do Banco de Portugal e o próprio primeiro-ministro se desdobrem na mensagem de que o BES tem uma almofada suficiente para absorver as perdas que aí vêm, a verdade é que o rating está a degradar-se e as piores condições de financiamento do banco vão ter repercussão na sua operação junto das empresas.
As declarações de Aguiar-Branco refletem um problema há muito diagnosticado entre nós. Eça de Queirós afirmara já em 1867 que "em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição". Mas onde o ministro vê protocandidatos "messiânicos", eu prefiro ver caras novas que podem, pelo menos, não destruir esta espécie de protoestado que se chama Portugal.