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Havia as anedotas dos padeiros portugueses, no Brasil, e quem sabe se não é ainda essa a imagem que do lado de lá do Atlântico têm de nós: o portuga comerciante, empreendedor mas quase analfabeto, barrigudinho e de bigode farto (atributo partilhado pelas mulheres). Independentemente do impacto do crescimento do sector terciário em Portugal nas últimas décadas, incluindo barbearias, ginásios, institutos de emagrecimento e de depilação, é no grau de instrução que o país se revela mais mudado, segundo os dados do Censos 2011.
O número de licenciados aumentou em quase um milhão nos últimos 20 anos (de 284 mil para 1,26 milhões), e atingiu os 12 por cento da população. Se somarmos a estes os 13 por cento com ensino secundário completo, temos um quarto da população com um bom nível de instrução.
Podemos ir uns anos atrás, aos anos 1960, para ver como a sociedade portuguesa mudou neste campo. Havia 26 mil alunos no total do ensino superior e hoje, só no primeiro ano, há mais do dobro deste número.
Esta é uma boa notícia, sem dúvida, mesmo tendo em conta as queixas (mais ou menos justas) quanto à qualidade do ensino - há 50 anos havia 40 por cento de analfabetos.
Ainda estudei num tempo em que decorar os nomes e cognomes dos reis e saber as linhas de comboio de Moçambique era essencial para passar de ano, e isso certamente não me fez mal nenhum mas também não me foi decisivo na compreensão da História nem da Geografia. Faço parte dos pré-históricos que aprenderam as provas da esfericidade da Terra (coisa ilustrada por mastros de navios e faróis), quando o espaço era um mistério que observávamos cá de baixo. Saber mais era um perigo, ter opiniões um crime, uma vidinha humilde e pobrezinha era o que dava jeito.
E portanto fico contente com estes novos dados que confirmam um esforço político das últimas décadas, uma aproximação intencional aos números dos países europeus.
Queixamo-nos muito, é uma doença nacional. E sim, devemos preocupar-nos a sério com problemas como o envelhecimento da população, que coloca nuvens negras no nosso futuro. Mas não esqueçamos que é residual o número de casas sem água e esgotos.
Podemos ter de nós próprios e dar aos outros uma imagem mais desempoeirada. Património imaterial da Humanidade, o fado já não é uma canção passadista e chorosa, tecida em humilhações. Mas será que estamos a enfrentar a dupla que quer mandar na Europa conscientes de que não somos os desgraçadinhos do quintal? Daqui a dez anos, o que dirá o recenseamento sobre nós-depois-da-crise?
E é verdade: a Terra é redonda. Basta ver as fotografias.