As eleições autárquicas da semana passada trouxeram mudanças nas três cidades sede das universidades públicas do Norte. Em todas elas, Porto, Braga e Vila Real, o candidato vencedor propôs uma aposta reforçada nas relações com a instituição de Ensino Superior, assumindo esse ativo como estruturante para a cidade. Embora se trate de uma linha propositiva óbvia, a verdade é que a observação do passado mostra que a respetiva materialização não tem ido muito além de enunciados incipientes, salpicados aqui e ali por pequenos projetos. Aos novos presidentes agora eleitos exige-se a chamada "prova de conceito", ou seja o desenvolvimento de um modelo de colaboração que comprove a bondade da ideia, expressa em resultados efetivos e mensuráveis.
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Não se pense que a fragilidade das relações entre a gestão municipal e a academia se deve apenas ao desinteresse dos autarcas. Não, cabe à comunidade académica, incluindo as reitorias, desprender-se da ideia de que só a cidade deve dar à universidade e questionar, a partir das suas competências, das suas relações internacionais e da sua capacidade de liderar pelo conhecimento, o que pode também ela dar à cidade.
A oportunidade que agora se reconfigura assenta no conceito de cidade universitária. Porto, Braga e Vila Real formam um triângulo de urbes onde, em média, um em cada seis ou sete residentes está ligado à academia. Esta presença e penetração no tecido social podem servir para a sua diluição ou, ao invés, como alavanca para a mobilização coletiva, elevando as cidades para patamares de relevância superior.
Se necessário fosse, existe já um interessante quadro de referência: Guimarães. Como se sabe, a Universidade do Minho tem o seu segundo campus instalado nesta cidade, tendo desde há duas décadas mapeado com o executivo camarário um quadro de colaboração que se veio a revelar extremamente profícuo. O resultado foi a projeção nacional e europeia de uma cidade que estava parada e era pouco mais que irrelevante. Classificação do Centro Histórico pela UNESCO, Capital Europeia da Cultura, Centro Cultural de Vila Flor, Plataforma das Artes, Instituto do Design, Centro de Ciência Viva, Parque de Ciência e Tecnologia, Incubadora, enfim todo um ecossistema em que cidade e universidade se entrelaçam, com visíveis benefícios para os cidadãos e para a região.
Por coincidência, estive esta semana na cidade de Ferrara, em Itália, para a constituição de uma rede de cidades universitárias, designada UniTown. Levei comigo o exemplo de Guimarães, aliás muito semelhante ao de Ferrara, a promotora da rede. Nas diversas reuniões que mantive com as presidências de câmara e as reitorias de cidades da Alemanha, Itália, Polónia, Eslovénia, Lituânia, Estónia e Finlândia, constatei que o conceito de cidade universitária que está na forja vai para além do impacto da academia na economia local, na habitação ou nos transportes. Aos programas de empreendedorismo e inovação e aos projetos de revitalização urbana, naturalmente importantes, acrescem outras duas dimensões: a conectividade internacional e a qualidade da democracia.
As comunidades académicas são grupos extremamente conectados. Trocam valor com o exterior numa base diária, através de contactos presenciais ou por via eletrónica, de intercâmbio de estudantes ou participação em redes internacionais. Este know-how, comparável àquele que detêm as redes empresariais que há décadas exportam produtos concebidos e fabricados no Norte do país, pode e deve ser usado em benefício das cidades universitárias, contribuindo para a construção de assinaturas de excelência no contexto internacional.
Cidade e universidade nem sempre protagonizam a melhor forma de colocar o conhecimento ao serviço da sociedade. Ambos são detentores e destinatários nas trocas de saberes especializados e humanistas, num jogo de simetria que é condição necessária para um desenvolvimento harmonioso. A cidade está para a universidade como a democracia está para o conhecimento. O mesmo é dizer que as cidades universitárias são, por excelência, cidades incubadoras da democracia e do progresso.
É esta a oportunidade que se depara a Rui Moreira no Porto, a Ricardo Rio em Braga e a Rui Santos em Vila Real. Às cidades, mas também às universidades. E a uma Região Norte policêntrica que precisa urgentemente de reinventar o seu papel no país e no mundo. O conceito está aí. Quanto à prova, estou otimista.