À medida que a poeira assenta, vai-se consolidando a ideia de que Portugal atravessa a pior crise desde 1974. Suficientemente grave, em qualquer caso, para levar o presidente da República a fazer um apelo dramático ao sector privado, incitando-o e, tacitamente, responsabilizando-o pela tomada de decisões que nos possam tirar do buraco que cavámos à nossa volta.
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Consciente do impacto negativo que as medidas de austeridade, a que fomos forçados, terão sobre a procura interna, Cavaco Silva aponta o aumento das exportações e a substituição das importações como a prioridade das prioridades. É a forma de minorar a retracção económica e, ao mesmo tempo, fazer entrar recursos de que precisaremos, como de pão para a boca, para solver as dívidas acumuladas. Recursos em cuja obtenção também as remessas de rendimentos, sejam poupanças constituídas a trabalhar lá fora ou lucros obtidos de investimentos no estrangeiro, desempenham o mesmo papel. Com a vantagem de, nesses casos, se tratar de valor acrescentado líquido que não incorre no problema de algumas empresas pretensamente exportadoras e que, na realidade, são importadoras líquidas, drenando recursos para o estrangeiro. Se o Governo tem tentado incentivar o regresso de capitais colocados ilegalmente no estrangeiro, não faria sentido que as empresas que remetem os seus lucros para Portugal pudessem beneficiar, por exemplo, de um crédito fiscal em sede de IRC, variável em função do montante repatriado? Ou que o mesmo se aplicasse às empresas que substituem importações ou que têm um contributo exportador líquido? Embora indo contra a corrente de aumentar impostos, seria uma forma de reconhecer e incentivar o papel dessas actividades.
Num país com uma visão providencialista do Estado que, sobretudo em tempos de crise, atribui ao investimento público o papel de motor, o apelo do presidente da República diz bem do seu sentir sobre a delicadeza da situação. Agora, do Estado espera-se tão-só que não se constitua num obstáculo, que traduza em actos a prioridade aos bens transaccionáveis, que aprofunde o esforço de racionalização da despesa pública. O que já é muito num Estado ineficiente e disfuncional.
A prova de fogo está aí, ao virar da esquina. Uma prova de credibilidade que se exige seja dada tão mais depressa quanto não se sabe em que esquina o teste nos espera. Muitas das regras do jogo já nos foram ditadas de fora. Muito por nossa culpa. Doeram. Nada que se compare com o que acontecerá se não nos mexermos. É esse o significado implícito no apelo dramático de Cavaco Silva. Alguns no Executivo já o perceberam. Passos Coelho já o entendeu: apoiou as medidas do Governo e anuncia novas propostas. Os empresários têm, agora, oportunidade de fazer prova de vida. O pai do presidente Kennedy disse um dia "when the going gets tough, the tough get going". Quando o caminho se torna difícil, os duros persistem, não desistem. Se assim for, sairemos desta crise mais fortes. Se não, alguém nos imporá o que fazer. E em que condições. É melhor não experimentar.