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1- "O desemprego, que é a consequência mais dolorosa da crise económica que vivemos, fere a nossa dignidade como seres humanos (…) Necessitamos de novas bases para crescer e gerar emprego, de modo a que seja possível que os cidadãos possam desenvolver as suas vidas e das suas famílias com dignidade, segurança e confiança no futuro". A frase não foi produzida por nenhum ministro português, novo ou velho. Foi Filipe de Bourbon, herdeiro da coroa espanhola, que elegeu o tema para o seu discurso na cerimónia de entrega dos prémios Príncipe das Astúrias.
Podia ter falado sobre grandes feitos desportivos, uma vez que tinha ali à mão a grande atleta do salto com vara Elena Isinbayeva; ou dissertado sobre algumas das mais espectaculares obras da Arquitectura, a pretexto da presença de Norman Foster; ou sobre a importância da Literatura, aproveitando a audiência de Ismael Kadaré; ou as ameaças sobre o Ambiente, tema tão em voga, uma vez que o ouvia o naturalista David Attenborough. Não fez nada disso, preferiu falar sobre a dura realidade de todos os dias de tantos cidadãos anónimos espanhóis, para quem, mais do que o Desporto, a Arquitectura, a Literatura ou o Ambiente, o mais importante é sobreviver até ao dia seguinte.
Portugal é uma República a que não faz falta um rei. Ainda menos um príncipe herdeiro. Mas também não faz falta um presidente sempre cheio de pruridos institucionais e teorias conspirativas e tão alheio, na prática e no discurso, aos problemas que ferem "a nossa dignidade como seres humanos". Há mais de meio milhão de portugueses, e respectivas famílias, que bem precisam de um provedor que alerte para o seu direito a viver com "dignidade, segurança e confiança no futuro".
2- Saramago agiu como sempre, com dureza e até alguma violência. O alvo foi a Igreja Católica. Não o fez de forma gratuita, mas no contexto do lançamento de um novo livro intitulado "Caim". Natural, portanto, que falasse sobre a Bíblia. Não disse nada de muito entusiasmante, mas o suficiente para que o provincianismo viesse à tona. Deu até para juntar ao anedotário político nacional mais um "Sousa Lara", desta vez um eurodeputado de nome Mário David, do inevitável PSD. "Caim" teria sempre a garantia de vender milhares de exemplares. Com a polémica somará muitos mais. Ainda bem, porque Saramago, não sendo um personagem simpático, é um grande escritor. E por isso ficará na história, não por querelas inúteis.
3. Manuela Ferreira Leite decidiu finalmente acabar com a farsa que alimentou depois da derrota nas legislativas e da semiderrota nas autárquicas. Não vai cumprir o mandato até ao fim. O PSD escolherá novo líder no princípio do próximo ano. Será, como sempre, uma luta espectacular e simultaneamente suicida? Ou desta vez os beligerantes vão perceber que é cada vez mais difícil, no final, juntar os cacos? Marcelo Rebelo de Sousa já se pôs de fora. Percebeu que a primeira hipótese é a mais plausível.