Com a ascensão de António Costa à liderança do Partido Socialista, abriu-se a janela de esperança por que muitos dos portugueses ansiavam. Normal. Mas o que surpreende é o facto de, em menos de um mês, o alento se ter transformado numa real possibilidade de uma maioria absoluta, a fazer fé nas sondagens agora conhecidas. É o princípio do fim do Governo de Pedro Passos Coelho.
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Os números da sondagem da Universidade Católica para o "Jornal de Notícias" são arrasadores. Tendo por referência os resultados do Barómetro de abril, o PS salta de 36% para 45%, enquanto o seu principal rival, o PSD, cai dois pontos para os 28%. CDS e BE revelam, por fim, algo em comum: ambos estão nos 4%, o que deixa em aberto a possibilidade dos seus deputados poderem partilhar o táxi para a Assembleia na próxima legislatura.
O sucesso de António Costa nas primárias do PS, em que os simpatizantes superaram os militantes, deixava antever uma aceitação do candidato muito para além das lógicas reféns do aparelho partidário. Está agora confirmado que assim é. O fenómeno Costa está bem patente pela sua entrada direta para o primeiro lugar da lista de popularidade dos líderes, com 62% de avaliações positivas.
E se é verdade que a coligação e o Governo em exercício entraram em rota de decadência, não é menos verdade que os resultados da sondagem acarretam riscos que o PS não poderá minimizar. A euforia da perspetiva da vitória segura e folgada tem dois grandes inconvenientes. Primeiro, a massa eleitoral tende a desmobilizar, pois o peso da importância de cada um dos votos aparenta ser menor. Depois, cria-se uma onda de mudança que pode fazer esquecer a situação delicada das nossas finanças e abrir a expectativa de um grande alívio imediato, algo que é manifestamente impossível.
Os números que agora se conhecem colocam a coligação governamental perante um dilema. PSD e CDS valeriam, se a eleição fosse hoje, algo como 32% dos votos. Nem coligados com a CDU - estou a ser irónico - conseguiriam ser governo. Isto significa que os parceiros terão de redefinir a sua estratégia e o mais certo é o CDS querer ir à procura da melhor forma de rentabilizar o seu escasso peso.
Nos debates das primárias socialistas, Costa foi sempre cauteloso relativamente à sua política de alianças pós-eleitorais. Não excluiu ninguém. Ora, o pouquinho que pode faltar ao PS para a maioria absoluta pode muito bem vir do CDS, pelo que não seria de admirar que este se perfilasse para o efeito.
É conhecido o mal-estar que grassa na coligação. Foram três anos de divergências, de zangas e de demissões. A paixão do CDS pela agricultura e pelos reformados esbarrou sempre em dois obstáculos: a impreparação dos seus ministros e a ditadura das finanças, protagonizada primeiro por Vítor Gaspar e depois por Maria Luís Albuquerque. No capítulo da carga fiscal, o CDS foi mantendo um discurso dúbio, ora manifestando insatisfação, ora sendo cúmplice com a aplicação de mais e mais impostos.
E eis que é chegado o momento da preparação do último Orçamento do Estado da legislatura. Quando se esperaria uma abordagem um pouco mais expansionista, somos todos surpreendidos com um exercício cínico, designado de neutralidade fiscal e que introduz a figura do contrato de confiança fiscal. O CDS, no seu dilema de descolar sem poder descolar de um orçamento vergonhoso, não encontra nada melhor do que considerar "imperativa" a devolução da sobretaxa de IRS. É pouco, muito pouco, sobretudo quando se sabe que a ideia é pôr o próximo Governo a pagar em 2016 o que o atual Governo quer prometer.
Inicia-se agora o grande teste de António Costa. O PS vai com certeza votar contra o Orçamento do Estado para 2015. Mas isso não basta. É agora necessário que se perceba mais um pouco das alternativas preconizadas pelos socialistas. O próximo mês promete um combate muito duro, que trará à superfície as diferenças entre Governo e Oposição, mas também entre as duas forças da coligação. Veremos se as cicatrizes que ficarem serão ou não impeditivas de uma geometria que possa viabilizar o futuro Governo. No entretanto, Costa terá de manter uma grande frieza. Mostrar-se o suficiente para chumbar de forma entendível o Orçamento e, por outro lado, resguardar-se na medida do possível para evitar a tal onda de euforia que lhe poderá ainda causar dissabores.