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À luz do que nos tem sido dito repetidamente pelo nosso Governo, o sr. Frank Gill veio dar-nos uma opinião muito improvável para quem é diretor responsável da Standard & Poors pelos ratings das dívidas soberanas europeias: afinal, um segundo resgate pode bem ser um fator positivo para a notação da dívida portuguesa.
A primeira reação é obviamente a de ir consultar os ficheiros do PS, PCP e BE para tentar descortinar alguma ligação do senhor, tal tem sido a tónica posta pelo Governo na identificação da possibilidade de um segundo resgate com os desejos mais ardentes dos partidos da Oposição. E mais ainda: como a expressão irresponsável de quem não tem a noção de como reagem os mercados ao menor sinal ou tentativa de fazer com a dívida do país o que qualquer cidadão faria com a sua, ou seja, negociar taxas de juro e prazos.
Mas não, este sr. Gill é mesmo o responsável-mor pela avaliação da S&P, a tal agência que também repetidamente nos tem sido apresentada como influenciadora dos comportamentos dos mercados financeiros, para além do aceitável segundo alguns e insubstituível segundo outros. Verdade, isso sim, é que sabemos, de experiência vivida, que tem bastado à S&P tossir para o rating da nossa dívida soberana resvalar para o lixo. Ou seja: para o descrédito.
Apenas estávamos refeitos do arrojo de António José Seguro que, em direto na TVI, anunciou que vai pedir aos portugueses uma maioria absoluta, eis que, em entrevista ao Dinheiro Vivo, a Standard & Poors, pela voz autorizada do sr. Gill, nos vem elucidar sobre os benefícios de um segundo programa de ajuda financeira. A saber: "É financiamento com maturidades longas, com taxas de juro extremamente baixas, o que é obviamente bom para o vosso perfil de dívida...".
Melhor é que este sr. Gill não reclama da nossa governação. Pelo contrário, tece-lhe elogios como estes: "Também achamos que globalmente a economia está a equilibrar--se e Portugal está agora a conseguir um superavit substancial na sua conta-corrente, que tem sido orientado cada vez mais pela forte performance das exportações do que pela compressão das importações [...] As maturidades estão a ser alargadas, nos empréstimos oficiais para Portugal e isso aumenta verdadeiramente a sustentabilidade da dívida soberana".
Interessantes são também as preocupações do sr. Gill com as políticas para o futuro, em relação às quais volta a aproximar-se das oposições: "É muito difícil, depois da redução orçamental, que já ocorreu, continuar a avançar com cortes no consumo e no investimento público...".
Conclusão: não fosse o nosso próprio jogo político-partidário e talvez Portugal pudesse negociar com os credores internacionais uma boa saída. Até um segundo resgate...