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Há qualquer coisa errada no interior do PSD. Em vez de se ocupar com uma oposição musculada ao Governo, a Direção social-democrata preencherá parte do tempo a combater críticas internas. Que se vêm revelando muito atuantes frente a uma liderança que, em vez de apaziguar os eventuais dissidentes, vai exacerbando divisões. É paradoxal.
"Estou cheiinho de medo". Eis uma frase que ontem se multiplicou pelos diferentes órgãos de Comunicação Social. O seu autor, Rui Rio, proferiu-a à entrada do Conselho Nacional que decorreu nas Caldas da Rainha e os seus alvos eram alguns notáveis do seu próprio partido. Ainda que o atual líder do PSD esteja esgotado com tantas críticas internas, tem de perceber que não pode arrastar esse azedume para o espaço público (mediático). Eis aqui uma lição que Rio terá muita dificuldade em aprender e isso será sempre contraproducente para si, porque os seus opositores irão aproveitar esse espaço para lhe provocar o maior desgaste possível. Por várias razões.
Como todos já perceberam, Rui Rio não gosta de certos notáveis do PSD, particularmente de muitos daqueles que estão na Assembleia da República. Por isso, nas próximas eleições legislativas, reformulará drasticamente a sua bancada e isso implicará subtrair grande parte da visibilidade de alguns sociais-democratas. Mas tal proeza só acontecerá se a atual liderança sobreviver até lá... Por isso, há muita gente, em zonas de retaguarda e noutras mais frontais, a combater a atual Direção laranja. Para muitos, essa é uma estratégia de sobrevivência e convém levar isso muito em conta.
Por outro lado, Rui Rio, por feitio e opção, pôs em marcha uma certa perseguição aos seus pares, anunciando que o partido colocará em tribunal os candidatos que, nas últimas eleições autárquicas, tenham ultrapassado os orçamentos previstos para as campanhas. Até agora, a ameaça concretizou-se na Covilhã, mas há outros candidatos em risco de responder perante a justiça. No PSD, já se ouviram várias vozes a censurar tal decisão, mas Rio parece não as escutar com atenção. Faz mal, porque essas pessoas espalhadas pelo país real não esquecerão facilmente esse gesto.
Quem andará certamente preocupado com este ambiente de guerrilha interna é Marcelo Rebelo de Sousa. Há duas semanas, fez saber no "Expresso", através de uma fonte próxima, que é preciso fazer pontes com o CDS e com a Aliança, o novo partido que Santana Lopes está a criar. Não será esse um desiderato fácil de cumprir. Rio não tem encontrado muitos consensos com Cristas. A chamada "taxa Robles" é apenas um dos múltiplos exemplos que dividem as duas lideranças à Direita, saída de um rol de temas sem qualquer plataforma de entendimento. Não se prevê que essa distância seja reduzida com o surgimento da Aliança. Basta recordar as declarações de Rio sobre o abandono de Santana Lopes do PSD para depressa se concluir que não haverá conversas fáceis entre aqueles que, num passado recente, encenaram alguma proximidade.
Estes são tempos difíceis para o PSD. Rio tem de entender, de uma vez por todas, que o partido se faz com José Silvano, Salvador Malheiro, David Justino, Castro Almeida..., mas também com Luís Montenegro, Pedro Duarte, Hugo Soares, Paula Teixeira da Cruz... E que ninguém pode ser mandado embora apenas por discordar. Até porque os mais críticos permanecerão onde sempre estiveram: nas primeiras filas dos ataques, seja em nome próprio, seja através de críticas anónimas nos média noticiosos. É para todos eles que Rui Rio deve olhar com atenção e ser capaz de deslocar o ponto central da oposição. Que deve estar focado no Governo e não no interior do PSD. Quando o foco da polémica é o próprio partido, alguma coisa estará a correr (muito) mal.
*PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO