Se, este fim de semana, Portugal começar de novo a arder devido às altas temperaturas, aquilo que nos entra pelos olhos dentro é um insuportável "déjà vu": bombeiros a correr com mangueiras, gente que perdeu bens, dezenas de fotografias e imagens de televisão mostrando o espetáculo. Desde há 30 anos que se criam as condições perfeitas para que os incêndios se multipliquem. Os sucessivos governos incrementam a plantação do "petróleo verde", por um lado, e depois põem centenas de bombeiros ou aviões caríssimos a despejar água na tragédia previsível. Os números mostram que o eucalipto já é a espécie arbórea dominante do território e vai continuar a crescer, porque ainda se está a incentivar mais a sua plantação.
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Atraídos pelo "desenvolvimento económico", Assunção Cristas e Daniel Campelo, enquanto responsáveis do CDS pelas pastas do Ambiente e Florestas do Governo "anterior", deixam aliás pronta uma lei que permite plantar eucaliptos em pequenas áreas (abaixo dos dois hectares) sem qualquer autorização, mesmo que sejam de reserva agrícola ou ecológica. O que já era mau passa a ser péssimo.
O CDS tem um histórico pouco abonatório nas questões do ambiente, como é fácil lembrar depois do escândalo "Portucale", na Herdade da Vargem Fresca, às portas do Alentejo. O ministro do Ambiente Nobre Guedes (no Governo Santana Lopes) autorizou, já depois da derrota eleitoral de 2005, o abate de 2600 sobreiros de grande porte em favor de um projeto imobiliário do Grupo Espírito Santo. O tribunal não provou depois o que as escutas sugeriam: tráfico de influências remunerado por 115 depósitos feitos em numerário no valor superior a um milhão de euros na conta do CDS. Paulo Portas classificou a investigação como um ato de "intimidação" contra o CDS. Nada aconteceu.
Os grandes interesses silvícolas ou imobiliários não começaram com o caso Portucale, obviamente. Começaram com o Governo de Cavaco Silva (e a célebre carga policial de 1988 em Valpaços, contra uma população que antecipava o efeito catastrófico do eucalipto na sua terra). Agora até Trás-os-Montes arde dias a fio. É fácil perceber porquê.
Entretanto, há duas semanas, algo mudou. O atual Governo tinha o CDS num desvalorizadíssimo Ambiente. De repente, passa a ter o mais promissor político português nesta área, Jorge Moreira da Silva. Ora, pode o mesmo Governo voltar atrás numa das mais assassinas leis contra o território, como é esta que Cristas e Campelo deixam por herança?
Além do Ambiente, ao acumular o terrível dossier da energia, o jovem ministro tem à frente a EDP, o défice tarifário da energia e sobretudo as novas barragens. O Plano Nacional de Barragens, herdado de Sócrates, significa construir, à frente dos nossos olhos, as mais caras e estúpidas parcerias público-privadas (PPP). Elas onerarão de forma absurda e irreversível a conta da eletricidade de particulares e empresas para as próximas décadas. Jorge Moreira da Silva vai enfrentar este erro histórico? Já agora: passará a controlar com rigor as consequências ambientais dos 110 contratos mineiros do pressuroso Álvaro? E a prospeção do gás de xisto na sensível bacia do Tejo?
É em nome do ambiente, mas também da economia - da competitividade das empresas e do equilíbrio do território para o turismo - que se torna urgente evitar estes dossiês desastrosos. Até porque Portugal exporta pasta de papel e dá lucros fabulosos às grandes celulósicas, mas o custo dos incêndios, e o despovoamento do território é pago pelos contribuintes.
O mesmo se passa com as novas barragens. Está mais que estudado que a EDP (e as outras) deveriam aumentar a potência das barragens existentes em vez de despejarem betão em mais rios e com isso ficarem com contratos de remuneração garantida, haja ou não água para produzir eletricidade.
É nisto que as questões do ambiente tornam cristalina a política. Não se trata de não querer o progresso económico. Trata-se apenas de perceber que, por vezes, o que se ganha de um lado (claramente privado) perde-se do outro (cidadãos e aumento dos custos públicos). O "desenvolvimento" ou a "criação de postos de trabalho" não justificam tudo. Um novo ministro, com o olhar de uma nova geração, sabe isso. E pode conseguir que o Governo dê um passo atrás para dar dois em frente.