Façamos o esforço de considerar que todos estiveram de boa-fé, tanto os que defenderam o compromisso de salvação nacional como os que o rejeitaram.
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Para os primeiros, há um argumento agregador essencial: o da absoluta necessidade de levar o país a cumprir com os prazos e metas do processo de ajustamento em curso, por forma a reganhar parte da soberania perdida, em meados de 2014. Para os segundos, há um outro argumento agregador igualmente essencial: o de que o processo de reaquisição da soberania pode ter outros prazos e metas e que eliminar os antagonismos políticos que garantem a alternância é uma automutilação das condições de exercício da própria soberania.
O simples enunciado desta dialética em torno de um compromisso de salvação nacional, através de negociações entre os partidos da maioria de apoio ao Governo e o PS, dá ideia das dificuldades que a iniciativa do presidente da República teria forçosamente que ultrapassar.
Acresce que Cavaco Silva acrescentou um silêncio e uma data que dificultaram a adoção da base negocial para o compromisso de salvação nacional.
O silêncio foi o de nada ter dito sobre a proposta de remodelação que o primeiro-ministro lhe apresentou, preferindo fazer notar que o Governo não remodelado continuava em legítimas funções e deixando intuir que a remodelação não era uma solução que lhe desse as melhores garantias.
De resto, a natureza equívoca deste silêncio permitiu a Passos Coelho comunicar aos membros do Conselho Nacional do PSD que, caso as coisas corram como espera, voltará a apresentar a sua remodelação ao presidente de República
A data, essa, foi a de ter dito que, caso houvesse compromisso, marcaria eleições antecipadas mal a troika deixasse Portugal, ou seja, em meados de 2014.
Também essa data para eleições antecipadas acrescentou uma dificuldade extra ao processo: a resultante da contradição com o pensamento mil vezes expresso por Cavaco Silva sobre a leitura que se permite fazer da Constituição. E a questão acabou por tornar-se insidiosa: como podia Cavaco Silva defender que um Governo de maioria como o atual só podia cair na Assembleia da República e, por outro lado, propor um acordo em que esse mesmo Governo teria prazo marcado para abandonar a governação?
Em teoria da boa-fé, a resposta seria: não há contradição porque é de salvação nacional que estamos a tratar. Ou seja: da desconfiança que Manuela Ferreira Leite manifesta sobre o buraco financeiro ser maior do que aquele que é conhecido.
A ser assim, o presidente da República deveria tornar inteiramente clara a real dimensão desse buraco em que todos estamos atolados. E não só aos partidos políticos que convidou para o tal compromisso de salvação nacional.