José Sócrates, já todos o sabíamos, não só dividia opiniões como concitava paixões e ódios. É natural que esse estado de coisas se transmita aos órgãos de Comunicação Social. Se alguns lhe fizeram a vida negra quando era primeiro-ministro, não seria de esperar que, agora que está na mó de baixo, o poupassem. Quem lê aqueles jornais não pode esperar "notícias" sobre o assunto que não mereçam as aspas e, muito menos, comentários isentos. Não vem daí mal ao Mundo. Essa transparência é preferível à hipocrisia daqueles que, fingindo-se independentes têm, na verdade, uma posição bem definida sobre o assunto (na política tal como no futebol, já agora).
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O problema surge quando essas pretensas notícias atentam à inteligência do destinatário. Pior só quando estão correlacionadas com a audiência dos média, o que não abona sobre a exigência do público consumidor, condição primeira para haver uma oferta de qualidade. A regra é geral: o facto de o comprador italiano ser exigente foi uma das bases essenciais para a afirmação da indústria da moda italiana no Mundo.
Um exemplo. Disse-se que, perante o requerimento de "habeas corpus" para Sócrates, o Ministério Público (MP) terá invocado o risco de o ex-primeiro ministro se ausentar para o Brasil como justificação para a sua prisão preventiva. Não sei se o MP usou, ou não, esse argumento. Causa, porém, perplexidade que quem escreveu sobre o assunto não se tenha colocado a questão: se era esse o propósito, não fazendo o Brasil parte do Espaço Schengen, não bastaria retirar-lhe o passaporte e obrigá-lo a apresentações regulares? Mesmo que Sócrates seja dado ao desporto, não parece que se atrevesse a tentar chegar ao Brasil a nado.
De igual modo, se fosse crime os governantes tentarem angariar negócios para empresas nacionais, Portas poderia ser preso "em flagrante delito" sempre que, nos vários países onde vai, faz uma conferência de Imprensa a "gabar-se", e bem, dos contratos obtidos. Se houvesse favorecimento de uma empresa portuguesa em detrimento de outra, ou se daí decorressem pagamentos ao governante, seria grave. De outro modo cumpre a função de governante. Além disso, raia o caricato que se noticie, como escândalo, terem essas actividades lobistas continuado após Sócrates deixar o Governo. O que farão, regularmente, nos aviões para o Brasil ou Angola alguns ex-políticos, ex-governantes ou não, de Direita ou Esquerda?
O mal não está em tomar partido. O mal está na falta de brio profissional, revelador de falta de respeito pelo público-alvo. Se este não se dá ao respeito e, pelo contrário, premeia aquela estratégia, estão criadas as condições para um ciclo vicioso de progressiva degradação da qualidade da oferta jornalística.
O caso Sócrates não é o mais grave. A forma como a Comunicação Social tem, por exemplo, tratado a importância da educação ou o problema da emigração é confrangedora. No primeiro caso, tanto se tem sublinhado o aumento do desemprego entre os licenciados que não admira o crescimento dos que afirmam não pretender estudar além do 12.0º ano. Um tratamento adequado do tema verificaria se esse acréscimo ocorreria a um ritmo superior à média; se tinha uma incidência especial em certas especializações e se, uma vez desempregado, o licenciado teria uma probabilidade maior ou menor do que os restantes para obter emprego.
Quanto à emigração, sobretudo de jovens, parece haver uma vontade masoquista de desvalorizar o país. Se quatro jovens partilham um apartamento, cá dentro é por causa dos salários miseráveis, lá fora uma prova da determinação em vencer. O insulto à inteligência atinge-se quando se entrevista uma jovem a trabalhar em Espanha e se admite que a mesma diga, sem qualquer reparo, que cá não tinha oportunidades quando o desemprego jovem é, no país vizinho, quase o dobro do nosso. Com base em casos isolados constroem-se mitos de eldorados que, infelizmente, precisam de situações extremas, como o sucedido com um casal no Dubai, para chamar as pessoas à realidade.
Uma Comunicação Social plural e de qualidade é essencial à democracia. Mas, e se o populismo vende e rende mais?