"Tou? Alberto? Manda prender um banqueiro! Já está um preso? Arranja outro, para crucificarmos no Terreiro do Paço. Chama as televisões..."
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Boas fontes e esforçada pesquisa permitem-nos reconstituir o dia seguinte às eleições. O que aqui se revela, caro leitor, se não aconteceu, podia bem ter acontecido.
Sócrates acordara tão estremunhado que tardou a perceber o que queria o moço, funcionário do PS, que telefonou a desoras. "Enviem a factura para a S. Caetano. Eu nem um croquete comi!", berrou, quando percebeu que a empresa encarregada do catering para o Altis exigia pagamento. E lá seguiu para o espelho. Decidiu manter os cabelos brancos, que dão respeitabilidade, e abafar as rugas, para que o povo não duvide da sua energia.
Silva Pereira, que o esperava no Rato, nem teve tempo de abrir a boca. "Temos de recuperar o voto dos ingratos que vão atrás das loas do Louçã, pá!". Mal refeito da hecatombe, o ministro da Presidência só se lembrou da receita do costume: "Determinação, Zé. És um gajo firme, não mudes de rumo". Irritado, Sócrates mordeu os lábios para não reagir à bruta. "Qual determinação, qual quê! Depois, acusam-me de arrogância. Precisamos é de qualquer coisa de Esquerda. Social, sei lá...". Não era bem um programa político o que procurava. Era o antídoto capaz de eliminar o vírus da gripe política que empurrara tanta gente para o redil comunista e bloquista.
Telefonou a Vieira da Silva. Exigiu-lhe que anunciasse apoios financeiros para os mais pobres, estágios para os mais novos, medicamentos à borla para os mais velhos, prolongamento do subsídio para os desempregados há mais tempo. O ministro do Trabalho teve de chamar o chefe à realidade. Todas essas medidas já tinham sido tomadas. "Já?", interrogou-se Sócrates, perplexo, antes de discar o número de Mário Lino. O programa de investimento público tem de prosseguir.
Lino "jamais" pensara noutra coisa. A Mota-Engil, confidenciara-lhe Jorge Coelho, acha indispensáveis o aeroporto e o TGV; até se dispõe ao sacrifício de concorrer à construção. Porém, ainda o atormentava o discurso do PSD na noite das Europeias. "Dizem que agora estamos quase em gestão, que temos de meter as obras públicas na gaveta". O primeiro-ministro não desarmou: "Tem de ser! Qualquer coisa de Esquerda, se não perdemos as eleições".
De súbito, veio-lhe à cabeça o remédio para calar de vez a Esquerda festiva. "Tou? Alberto? Manda prender um banqueiro! Já está um preso? Arranja outro, para crucificarmos no Terreiro do Paço. Chama as televisões...". Não pode ser, o Ministério da Justiça não assina mandados de captura. E há o risco de os juízes descobrirem no novo Código do Processo Penal uma maneira de mandar prender os membros do Governo. "Estamos perdidos, então?". Prestes a quebrar, Sócrates recuperou graças ao conselho amigo de Alberto Costa: "Arranja qualquer coisa de Centro. Aí é que se ganham eleições".