Por estes dias, falou-se muito de mulheres. De violência doméstica. De assédio sexual e moral. Da sobrecarga de trabalho nas tarefas domésticas. Do peso da maternidade.
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Ser mulher é estar desprotegida face a estas contingências e condições. Todavia, faltou quase sempre acrescentar que o ponto central dos problemas são eles, os homens. Que agridem, que assediam, que hipervalorizam a sua profissão. Que tomam decisões que desequilibram os papéis sociais. Falamos naturalmente apenas de alguns. Muito destrutivos.
A noticiabilidade recente colocou diante de nós hediondos casos de violência doméstica. Não são dados novos. Por isso, a gravidade é ainda maior, porque significa que não temos conseguido salvar as vítimas e isso deveria mobilizar-nos. Neste contexto, as mulheres continuam a ser vulneráveis, porque não querem assumir ruturas, não possuem independência financeira e insistem em reparar o irrecuperável... Mas o maior problema não serão elas. São, sobretudo, eles, que quase sempre assumem o estatuto de agressores. São eles que devem estar sob vigilância. Apertada.
Falemos agora da vida doméstica. Um estudo apresentado esta semana pela Fundação Francisco Manuel dos Santos documenta que o trabalho do lar está longe de ser repartido de forma equilibrada entre o casal. Poder-se-ia aqui defender que as mulheres têm a obrigação de imporem mais partilha do que há para fazer. É verdade. No entanto, há uma cultura bem enraizada no que diz respeito aos papéis de género que dita estilos de vida difíceis de travar. São eles que têm prioridade nas opções profissionais e são também eles que têm direito a mais tempo de lazer. Basta, por exemplo, passar pelos ginásios ao final de um dia de trabalho para perceber que esses são lugares vedados às mães de filhos pequenos. Já os pais têm aqui outra margem de manobra, podendo até esticar o treino por jogos de futebol que terminam com frequência num jantar de amigos. Uma impensável extravagância para muitas mulheres para quem a semana se reparte entre o trabalho e as obrigações familiares.
Centremo-nos nos filhos. O mesmo estudo traça um retrato algo deprimente de muitas mulheres que quiseram ser mães, havendo até quem se arrependa de tal escolha que provoca sempre uma inegável revolução no quotidiano de uma família, principalmente nas rotinas da mãe. Por norma, o pai vai procurando adaptar-se, contornando-se, frequentemente de forma egoísta, alguns contratempos. Por exemplo, ficando na cama, quando, durante a noite, o filho pequeno chora; agarrando-se a inadiáveis compromissos laborais, sempre que há uma inesperada gripe ou outra súbita doença dos filhos; ou desculpando-se com sucessivos compromissos nos horários em que é preciso passar pelas escolas para as boleias diárias... O diagnóstico da situação é amplamente conhecido.
Todavia, há também que afirmar que as mães gostam de assumir certas tarefas que dizem respeito à vida dos filhos: cuidar das marmitas dos lanches, ver as roupas do dia, ajudar nos trabalhos de casa, acompanhar as idas ao médico, fazer as viagens até à escola, conhecer de perto a vida escolar e as amizades dos filhos... Mas isso no nosso país exige verdadeiras acrobacias diárias para quem insiste em conjugar isto com a sua profissão. Resultado? Um cansaço extremo que cada uma de nós vai procurando disfarçar, mas que se evidencia nos impensáveis esquecimentos ou nos sucessivos atrasos... Tudo isto acontece, porque os contextos laborais não são pensados para gente com filhos. Que adoecem, que precisam de apoio e que reclamam tempo. Em Portugal, o mercado de trabalho para profissionais de sucesso não se compadece com a vida familiar. E isso deveria dar muito que pensar.
Professora Associada com Agregação da UMinho