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A derrota de Norbert Hofer nas eleições presidenciais austríacas é uma folha de papel-da-Índia, resistente mas fina, travão de leitura da história que esteve em vias de ser contada a título de estreia: esteve por uma unha das negras a primeira conquista nacional por um líder da extrema-direita na Europa após a II Guerra Mundial. A embrulhada constitucional que ordenou a repetição das eleições foi mais um gatilho que alimentou as últimas sete sondagens antes do voto em urna, todas a darem como certa a derrota do ecologista Alexander van der Bellen, agora presidente eleito com 53,79%.
A vitória que faz a Europa respirar de alívio acontece, em grande parte, pelo contágio do medo que todas as sondagens convocaram. Mas nem sempre as sondagens serão tão amigas da fraternidade do voto. O verdadeiro medo é o do contágio. Esse é real. A doença europeia continua a ser transportada nas malas que passam por portas giratórias a transbordar de hipocrisia financeira. Agora, o perigo transformou-se em medo porque o contágio é bem maior do que a dimensão da doença. A Europa aumentou as assimetrias e encurtou as distâncias: dos burocratas aos assassinos fez um pequeno passo.
Bem podem querer enfiar Trump, Brexit, Hofer e o demissionário Renzi no lote das catástrofes com causa única. A singular coisa única é o resultado certo. As causas das catástrofes e réplicas estão mais do que identificadas e são multifactoriais. Longe da síndrome e seus sintomas, o que vemos é doença e a forma como galopa. Um pouco por toda a parte, o denominador comum é o contágio com contacto directo, respira-se e cresce sustentadamente na Áustria, Hungria, França, Dinamarca, França, Reino Unido, Polónia, Suíça, Finlândia, Roménia e Eslováquia. É só uma questão de tempo para a extrema-direita experimentar o poder se os radicais não nos salvarem dos extremistas. O "centrão" europeu permitiu tudo à direita dos interesses, continuou a fazer o enterro do projecto europeu e permitiu que Merkel já pareça uma democrata com tendências esquerdistas.
A responsabilização pela falência é assunto que nem consta das actas. Ninguém ajusta contas. Nem sequer com quem tem permitido que o projecto europeu caminhe para o enterro pelas noites vividas num casino em Berlim. À nossa escala, o Tribunal de Contas arrasa a ex-ministra Maria Luís Albuquerque pelo descontrolo sobre a evolução das contas da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2013 e 2015. Sabe-se que actual administradora da Arrow Global só estará interessada em propor a limitação do tecto salarial da administração do banco público, algo que o PSD sempre rejeitou até ao momento em que pretende fazer o funeral à CGD. Sacudir a água do capote é contagiante.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
MÚSICO E ADVOGADO