Quando o jornalismo fica para trás numa campanha de ruídos
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Com os mesmos líderes partidários das eleições legislativas anteriores, a campanha que hoje termina foi crispada, demagógica e, consequentemente, pouco esclarecedora. Evidenciou-se também por uma comunicação direta com os eleitores e pela preferência dos humoristas e dos influencers para entrevistas que os políticos insistiram em tornar conversas agradáveis. Os jornalistas ficaram para trás. E isso é um recuo substancial na vitalidade democrática.
As contas dos partidos no universo digital encheram-se de vídeos, de fotografias e de pequenos textos, corporizando uma comunicação estratégica que procurou ocupar o campo do jornalismo. Os influencers também foram reclamando papéis de entrevistadores, chamando para si funções que não são, de todo, as suas. Neste novo ecossistema mediático, que desta vez os partidos capitalizaram como nunca, os jornalistas viram-se subalternizados e os líderes partidários protagonizaram momentos em que deixaram claro que essa é também uma vontade dos políticos. Tudo isto terá um custo alto. Quando o jornalismo deixa de ter força enquanto escrutinador dos poderes e mediador daquilo que se passa, os factos mais relevantes são engolidos por pseudorrealidades impostas de cima para baixo. Será outro modo de se instalar perigosas ditaduras...
Desvalorizados pelos partidos, os jornalistas insistiram numa cobertura noticiosa que promoveu um número expressivo de debates, fez seguir várias equipas de reportagem pelo país atrás de caravanas partidárias e chamou para outras leituras comentadores que se juntaram para interpretações diversas daquilo que se passava. Nada foi inovador, porque os partidos não propuseram programas com rasgo, porque as máquinas partidárias não organizaram uma volta ao país que fosse promotora de verdadeiros debates nos sítios por onde (apressadamente) iam passando. E porque, na verdade, não havia nada de importante para dizer de uma campanha com políticos e medidas repetitivas que passava ao lado do essencial.
Neste contexto desafiador da essência da democracia, os eleitores transformam-se em espectadores passivos de encenações meticulosamente montadas para gerar empatia e neutralizar qualquer tentação para reflexões mais aprofundadas. Isso não interessa nada. Hoje, a atração dos memes suplanta o interesse pelos argumentos e os likes sobrepõem-se a qualquer desejo de conhecer melhor o que cada partido propõe. A popularidade tornou-se um critério de legitimidade e não é apenas o Chega que adere a essa máxima. O risco é óbvio: quanto mais se banaliza a política, mais se desvaloriza a exigência democrática, abrindo espaço a lideranças que prosperam na espuma do momento.