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Há anos, a propósito da manta de retalhos que vai por aí, o antigo secretário de Estado americano Henry Kissinger atirava, irónico: "Quem atende o telefone, quando quisermos ligar para a União Europeia?"
Perguntemo-nos: a União Europeia e os sócios da zona euro teriam a mesma atitude perante a Grécia, se em Atenas, em vez do radical e nacionalista Syriza, estivesse um Governo de centro-esquerda ou de centro-direita? Pois...
Ao pedir um "não" no referendo de hoje, que pergunta aos gregos se aceitam as condições que lhes são impostas pela União Europeia e pelos sócios da zona euro, em troca de mais financiamento, o primeiro-ministro Tsipras invoca o peso da história e joga no tudo ou nada.
Há mais de 70 anos que a Grécia comemora o Dia do Não como feriado nacional. É a 26 de outubro, para assinalar a data (1940) em que o ditador Metaxas negou a Mussolini a entrada de tropas italianas no país. Contou, para isso, com o apoio de democratas-cristãos, liberais e socialistas, as três famílias políticas que foram os pilares da construção europeia.
Hoje, a eventual vitória do "sim" pode até antecipar a morte política de Tsipras e o esvaziamento do Syriza. Mas a Europa dos valores e da solidariedade não pode nem deve permitir o suicídio da Grécia.
O problema já não está na dívida impagável, que cresceu debaixo do nariz cúmplice e burocrata das elites de Bruxelas, capturadas pelos interesses da alta finança, e na conivência entre agiotas internacionais e políticos locais. Porque, é preciso dizê-lo, não foi o Syriza que trouxe a Grécia até onde a encontrámos nas eleições de 25 de janeiro.
O que está em jogo na crise grega, que mexe com todos, é o reconhecimento de que há outras soluções políticas. É a admissão de que há alternativas à receita de austeridade aplicada nos últimos anos e que tão nefastas consequências - desemprego e empobrecimento - provocou nos países mais frágeis da União, Portugal incluído. O sentimento democrático de cada vez mais amplos movimentos de cidadãos que clamam por uma nova visão da sociedade está aí, para interpelar este retrato distorcido de duas europas em choque frontal e sem liderança assumida.
Tsipras reclama um novo perdão da dívida, agora de 30%. Nada, porém, que escandalize a história: em 1953, os vencedores da guerra, entre os quais a Grécia, aceitaram um corte de 62% na fabulosa dívida alemã.
Pois bem, talvez a mesma senhora Merkel que ainda há dias prevenia que um fracasso do euro é o fracasso da União Europeia possa agora atender o telefone. Ainda vai ser dela a última palavra.