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Esta semana trouxe-nos indicações da intricada situação política em que o nosso país se encontra. A comunicação, devidamente mediatizada, do primeiro-ministro (PM) na passada terça-feira à noite, a propósito da aprovação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado, e da aprovação da lei da nacionalidade, consubstanciou-se, por um lado, numa sessão implacável de fritura do Partido Socialista (PS) e, por outro lado, numa exaltação do seu êxito na adoção de conteúdos da agenda da extrema-direita.
Há quem considere que o PSD não trairá o projeto democrático constitucional, que toma aquela agenda de forma instrumental para enfraquecer o Chega. Isso seria mau só por si. Porém, os factos mostram-nos que a opção do Governo se ancora numa estratégia demolidora para a democracia. Os ensaios desta via experimentados em múltiplos países são desastrosos. A ação política reduzida ao conjuntural vai de queda em queda até se instalar um ditador.
Existe um enorme desfasamento entre os temas que tomam relevância política na agenda mediatizada, e aquilo que é necessário para resolver os problemas concretos das pessoas. A agenda que o Governo e as forças que o apoiam mediatizam é uma construção a partir de perceções manipuladas e carregadas de ideologia, em que só existe o imediato. Se conseguirem instituir esta prática governativa, o regime será posto em causa.
O que vemos, entretanto, no campo da ação política concreta? Um autêntico exército de térmitas, instigado pelo Governo e seus aliados neoliberais e neofascistas, atua rápido nas áreas vitais. Na saúde, há conversa sobre a defesa do SNS, mas este definha, os privados têm mais negócio e são anunciados novos cortes. No ensino, cresce o setor privado enquanto os problemas estruturais se agravam, o corpo docente envelhece e tem cargas horárias inaceitáveis, e não há especialistas para acompanhar uma população escolar de múltiplas nacionalidades. No plano laboral, está em marcha um ataque aos direitos dos trabalhadores e ao sindicalismo, com total desprezo por quem trabalha. Esta semana foi feita a indecorosa proposta de aumento do subsídio de refeição para os trabalhadores da Administração Pública em dez cêntimos por dia, o preço de meia carcaça.
Neste quadro, o PS, ao optar pela abstenção na votação, na generalidade, da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2026, permitiu à extrema-direita encenar oposição. Ora, são exatamente essas forças que estarão com o Governo na implementação do seu programa, suportado por este Orçamento. O que justifica, então, o voto do PS? Medo de eleições? Mas nos próximos nove, dez meses não há essa possibilidade.
Desiludam-se os defensores de alternativas com mais do mesmo. A luta pela democracia vai ser longa e dura. Há muitas pessoas, em imensos espaços, que começam a expressar a necessidade de mais discussão e de se utilizar mais a rua.

