Se excetuarmos os casos de Lisboa e do Porto, Portugal não tem autarcas com dimensão nacional. Em tempo de campanha eleitoral autárquica, percebemos melhor isso.
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Os líderes partidários passam pelos concelhos para aí deixarem uma mensagem que os legitime. No domingo, os resultados apurados estarão, mais uma vez, ao serviço dos partidos nacionais. O poder local continuará reduzido à sua insignificância.
Geralmente gosto bastante das noites eleitorais. Das sondagens que se difundem ao fecho das urnas, dos comentadores que cruzam perspetivas diversas, dos protagonistas que vão fazendo declarações seguindo a ordem de um guião não escrito, mas conhecido de todos. No entanto, confesso que não aprecio muito as noites eleitorais autárquicas. Porque destapam, como em nenhum outro momento, a insignificância do poder local. Nesse serão quase não se ouvem os autarcas, porque a preocupação está centrada nas lideranças nacionais.
No domingo, há dois protagonistas que se salientarão por motivos diferentes: António Costa e Rui Rio. Do primeiro exigir-se-ão explicações se o PS baixar o número das 158 câmaras que hoje detém; do segundo vamos querer saber quais as leituras de certos resultados (sobretudo de Lisboa) e quais as condições que julga ter para continuar à frente do PSD... Também haverá tempo para ouvir os responsáveis dos outros partidos, seguindo um modelo idêntico às legislativas. Pelo meio, emergirão pontos de interesse: Coimbra, Viseu, Almada, Funchal... Atenderemos aos sítios, não aos candidatos. A eles serão pedidas poucas explicações. E isso é um sintoma grave do centralismo que sempre asfixiou o país.
Poderemos, é certo, apontar o dedo à organização administrativa para enquadrar melhor o atraso do chamado resto do país, expressão já por si muito expressiva do modo como olhamos para os territórios. No entanto, também temos de refletir no trabalho que os autarcas vêm desenvolvendo ao longo dos anos. Às políticas do cimento sucedeu uma política orientada para a imagem das lideranças locais, construída à volta de festas, romarias e promoção de iniciativa irrelevantes. Falta valorizar a autenticidade dos lugares e priorizar o investimento como alavancas de desenvolvimento local com peso na realidade nacional. Só assim teremos uma geração de autarcas com relevância no país.
No próximo domingo, é também isso que estará em julgamento nas urnas: a capacidade dos candidatos para projetar mais e melhor os concelhos que querem comandar. A bem das populações que os elegem.
*Prof. associada com agregação da UMinho