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Faz agora seis anos, pela Semana Santa, andávamos a inventar a "Primavera Árabe", aquele perfume de esperança e jasmim que varria a vizinhança. Lembram-se? O que resta dela é desolador e sem remissão: um catálogo de horrores, crimes de guerra e um apocalíptico número de refugiados que já atinge os cinco milhões.
Sabemos hoje que, tirando a Tunísia, que se pacificou em democracia, dessa "Primavera" resultaram revoltas, quatro líderes depostos e vários estados falidos. Mas também um imenso campo de batalha, em especial na Síria, naquele que é já o mais importante conflito do século XXI, em duração e consequências. E sem solução à vista. O que começou por ser, em março de 2011, uma revolta contra a feroz ditadura de Bashar al-Assad - que respondeu com uma sangrenta represália - converteu-se num atoleiro de guerra. E nele, para além das tropas leais ao ditador e de numerosos grupos rebeldes, chafurdam hoje o chamado Daesh (ou "Estado Islâmico"), uma miríade de milícias e bandos islamitas com a sua própria agenda, a guerrilha do Hezbollah que ajuda Assad, conselheiros iranianos, e a aviação russa que também apoia o regime de Damasco. Como se não bastasse ao vespeiro, de vez em quando também a aviação israelita bombardeia os comboios de armas que o Hezbollah pretende desviar, para as introduzir no Líbano e empregá-las num potencial conflito com Jerusalém.
As imagens de centenas de milhares de pessoas percorrendo a pé estradas em busca de um refúgio, ou de milhares de casas destruídas, ou ainda dos dramáticos resgates de sobreviventes dos bombardeamentos comovem a opinião pública internacional, mas não os responsáveis políticos. O fracasso da União Europeia para conseguir que os seus membros cumpram o plano de acolhimento de refugiados mostra a incapacidade da Europa para abordar uma guerra que os seus mais fortes ajudaram a incendiar. Se a isto juntarmos a impunidade imperial da Rússia resta-nos um desolador panorama sobre o futuro próximo do conflito. Das guerras sabe-se como começam e nunca como acabam. E desta, só os mortos conhecem o fim. A resposta unilateral americana ao ataque químico assacado ao regime sírio por Washington (apesar de não haver qualquer evidência que tal comprove) é, por estes dias, um novo degrau no conflito. A maioria dos líderes ocidentais aplaude e todos fazemos parte da mesma hipocrisia. Afinal, para as indústrias de armamento a retoma de Trump nas sondagens vale bem aquela meia centena de mísseis de cruzeiro.
* DIRETOR