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Miguel Relvas é um dos políticos mais argutos da sua geração. Tem sido desviado para as tarefas de secretaria-geral do PSD - no entanto, a sua voz é das mais atendidas nas questões politicamente mais complexas e nunca se aventura para exprimir irreflexões e ligeirezas. Se Miguel Relvas afirmou que o PSD conta com o CDS de Paulo Portas para governar mesmo que não precise dos seus votos num parlamento saído das próximas Legislativas antecipadas, então essa declaração tem de ser analisada decompondo o seu peso real e mediante a leitura devida quanto às suas causas e efeitos.
À primeira vista, a intenção não contém uma justificação política razoável. Neste momento, as sondagens revelam que o eleitorado só precisava de uma alternativa politicamente capaz e sensata ao actual (des)Governo para reduzir o PS à expressão mínima nas suas preferências. Até os mais obtusos já vão confessando, finalmente, que Manuela Ferreira Leite, a sua trágica táctica política e a 'entourage' que a circundava foram o maior e melhor obséquio que José Sócrates alguma vez poderia ter sonhado. Assim, o PSD deveria estar a fazer tudo para poder governar sozinho sem ter de sobrecarregar as costas com fardos pesados e politicamente inúteis.
Na verdade, já o afirmei e não mudei de opinião, em princípio, Paulo Portas não é um aliado recomendável para coisa nenhuma. O seu prestígio encontra-se em curva inevitavelmente descendente, o seu discurso político, de tão 'abonecadamente' repisado, enfada mesmo aqueles capazes de assentir com o seu conteúdo, o seu partido é um peso-pluma nas autarquias locais, magro de quadros e de influência em toda a parte. Para além disso, a experiência governativa do CDS de Portas foi um desastre - olhando para trás, vemos que o que resta do período de 2002-2005, são submarinos, casinos e sobreiros, o atulhamento dos ministérios através de nomeações a eito prenhes de um amiguismo indefensável, tudo isso saturado de medidas de timbre socialista e estatizante que contrariavam aquilo que Portas havia profusamente protestado e jurado em nome dos múltiplos santos da sua predilecção…
Ainda há dias, no Parlamento, quando Portas perorava acerca dos ordenados dos assessores, bastou que um deputado recordasse aquilo que Portas pagava aos seus múltiplos adjuntos e assessores (os mais bem pagos da história governativa portuguesa) para o pôr fora de jogo. E na sexta-feira passada, quando arremeteu contra Sócrates, de dedo em riste, a propósito do acesso ao rendimento mínimo por parte de suspeitos da prática de crimes graves, foi mais um esforço para ensaiar uma entrada de leão mas que redundou numa saída de urso - Sócrates limitou-se a refrescar a estranhíssima memória do líder do CDS com a data do diploma que consagrou essa faculdade: precisamente a do período em que Portas era o número dois do Governo, portanto responsável pela medida que agora tanto abjura.
Portas é o líder político mais antigo no seu cargo, não renovou ideias, pessoas nem, sobretudo, a si mesmo. Não conseguiu, sequer, renascer durante o interregno político do 'leitismo'. Arrasta-se penosamente, seguido de um reduzido número de sequazes, cediço, com prédicas obsoletas, enfadonhas e politicamente inócuas.
Afinal de contas, qual a razão para o PSD desejar um aliado destes se não necessitar dos seus votos no Parlamento?
A resposta tem duas partes: (i) o PSD tem de unir para vencer as eleições e o desafio da governação; (ii) para o PSD, não pode existir à sua direita líder mais vantajoso do que Paulo Portas.
O PSD deve tentar agrupar todos os sectores da sociedade portuguesa para fazer a mudança. Esta implica um trajecto de poder com gente de todas as proveniências políticas, da esquerda à direita.
Em todo o caso, amainar a cobiça de Portas com a promessa de um futuro naco de poder é sensato. No fundo, o PSD precisa de Portas: o CDS só pode crescer à custa do PSD - Portas é a receita segura para que isso não suceda. E nada melhor do que ter o terreno desimpedido à direita graças a um líder irremediavelmente desacreditado.