Há mais de um século que a relação entre ganhos de produtividade e duração do tempo de trabalho evolui muito lentamente.
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Em Portugal, foi em 1919 que se instituíram as oito horas de trabalho por dia, 48 horas por semana, ou seja, a semana de seis dias. Em 1968, conquistou-se a chamada "semana-inglesa": 45 horas de trabalho por semana, com um dia e meio de descanso (trabalhava-se aos sábados da parte da manhã). Entretanto, passou-se para a semana de cinco dias e, em 1996, foi fixado o regime das 40 horas de trabalho semanais. Mais de cem anos depois da lei de 1919, em 2023, lançam-se os primeiros projetos da semana de quatro dias de trabalho, com horários de 32, 34 ou 36 horas.
Neste longo período foram inimagináveis o progresso tecnológico, os ganhos de produtividade e o aumento da riqueza. Porém, foi lenta e reduzida a transferência de parte desses ganhos para reduzir o horário de trabalho. No século XX, muitos foram os cenários que projetaram a utopia da "sociedade do lazer", sempre que o progresso tecnológico implicava desafios de extinção de postos de trabalho substituídos por máquinas. Porém, a extinção desses postos veio sempre acompanhada da criação de novas e diferentes atividades e o sonho de uma sociedade do lazer jamais se concretizou. Como também não o pesadelo da sociedade do desemprego.
Por várias razões era muito importante que, em Portugal, a experiência resultasse não só em menos dias de trabalho como numa redução significativa do número de horas semanais.
Nos países da OCDE, os trabalhadores portugueses são dos que mais horas trabalham por ano, enquanto holandeses, alemães, dinamarqueses e franceses dos que usufruem de horários mais reduzidos. Há certamente, em Portugal, problemas de produtividade relacionados com a qualificação dos trabalhadores e a organização do trabalho, ou défices de competência empresarial e de gestão que explicam piores resultados com mais trabalho. Porém, horários de trabalho prolongados são parte do problema, não da solução. Menos horas de trabalho tornariam possível a promoção de políticas efetivas de aprendizagem ao longo da vida, proporcionando condições para que jovens e adultos com mais baixas qualificações completassem ou atualizassem as suas competências. Com os horários de trabalho atuais, mesmo com cursos pós-laborais, é muito difícil o sucesso alargado daquelas políticas. Talvez tenha chegado a hora de contrariar mais um mito e demonstrar que é possível aumentar a produtividade diminuindo o tempo de trabalho e aumentando salários.
*Professora universitária