A pergunta repetiu-se à hora do jantar, pela segunda vez esta semana: "Mãe, se encontrasses todos os dias um velhinho a descer a nossa rua e ele te parecesse muito triste, o que farias?".
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A questão terá sido levantada na escola e os 7 anos do meu filho não ajudavam a descobrir respostas satisfatórias. Eu fiquei novamente em silêncio. A ouvir dele algumas possibilidades práticas de ação.
Devo confessar que tenho medo de chegar à chamada terceira idade. Porque os reflexos de mim em certas pessoas mais velhas petrificam-me. Veja-se, por exemplo, uma urgência hospitalar: ali estão idosos, acompanhados de bombeiros ou de funcionários de lares, sem terem por perto a mão de um familiar que os ajude a suportar a dor. Entre-se numa igreja à hora da missa num dia de semana e observa-se o pequeno grupo que normalmente se fecha num luto sombrio: ali estão rostos de gente triste para quem a vida se ancora numa fé que professam desde sempre, muitas vezes de forma algo irrefletida. Erre-se pelo interior do país e perscrute-se o conjunto de casas tresmalhado pela paisagem rural: ali estão pessoas de idade avançada entregues a si próprias, com uma saúde demasiado débil para estarem sozinhas...
Esta semana, o boletim económico do Banco de Portugal veio acrescentar outro ângulo de aproximação a esta realidade: sendo um país cada vez mais envelhecido e com a taxa de desemprego a cair, haverá um impacto negativo desta tendência na capacidade de crescimento da nossa economia. É um modo racional, e assertivo, de abordar o problema.
Não é fácil pensar de forma macroestrutural a terceira idade. Porque convoca demasiados setores e, acima de tudo, exige avultado investimento. No entanto, é urgentíssimo desenvolver políticas públicas para os mais velhos. E aí os próximos governos não podem falhar.
Cada um de nós também pode ir fazendo algum caminho. O meu filho pensou em algumas propostas para o hipotético idoso que eventualmente passaria à nossa porta todos os dias: cumprimentá-lo e dizer algumas frases para perceber se gostaria de conversar, perguntar-lhe se queria ajuda para ler o jornal e, numa versão mais ousada, arranjar-lhe uma namorada... Todas estas possibilidades têm um elemento em comum: contextos de relações humanas. Talvez esteja aí a chave de muitos problemas: a existência de companhia. É certamente isso que os nossos velhos mais desejam: ter alguém que se interesse genuinamente por eles.
*Professora Associada com Agregação da Universidade do Minho