O discurso pronunciado pelo Presidente da República no aniversário da Revolução dos Cravos adotou este ano, como tema principal, a defesa da credibilidade externa do país, opção que justificou nos seguintes termos: "Neste dia 25 de Abril, a minha intervenção nesta cerimónia tem um objetivo preciso e uma razão prática: exortar os nossos concidadãos a corrigir a falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro sobre o país que somos." Cavaco Silva reitera que "muito se tem dito e escrito no estrangeiro sobre o nosso país que não tem a mínima correspondência com a realidade" e chega a admitir a existência de uma "intenção deliberada de fornecer um retrato negativo do nosso país", o que reclamaria, a seu ver, a mobilização "de todos os cidadãos" para o combate contra "os preconceitos, as ideias feitas e a falta de informação isenta que ainda hoje existe sobre Portugal." O Presidente acredita que se conseguirmos impor "uma perceção externa fidedigna e positiva de Portugal, conseguiremos vender mais bens e serviços produzidos no país e a melhores preços, seremos capazes de atrair mais investimento externo, obter financiamento no exterior a taxas mais favoráveis. Conseguiremos fortalecer o turismo, captar remessas dos emigrantes, afirmar as instituições científicas e os investigadores portugueses nas redes internacionais de conhecimento e de inovação". O êxito desta campanha informativa seria um contributo, enfim, "para melhorar as condições de crescimento da nossa economia e de criação de emprego". O Presidente recorda que "sabe-se, desde há muito, que a imagem de um país é um fator essencial para o seu sucesso". Por isso, "fornecer um retrato realista e positivo de Portugal é um objetivo nacional que deve mobilizar empresários e trabalhadores, as elites da ciência, das artes e da cultura, os agentes políticos e sociais e as comunidades da diáspora".
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Uma vez promovida a imagem externa do país ao estatuto de um novo desígnio nacional, o Presidente passa à demonstração de como ele deve ser executado, através da "apresentação de exemplos concretos". E a verdade é que, talvez por distração ou (quem sabe?) por genuíno arrependimento, enumera longamente os sucessos da governação anterior com tal convicção que faria inveja ao próprio José Sócrates: dos números que atestam o desenvolvimento das ciências e da investigação até à promoção das nanotecnologias, da construção de "infraestruturas" às energias renováveis, do Tratado de Lisboa ao comportamento das tropas nas missões internacionais e à eleição de Portugal para o Conselho de Segurança das Nações Unidas! Contra esta hipotética conspiração internacional, o Presidente apela aos portugueses para cerrarem fileiras: "Em momentos como este, é essencial assegurar a coesão do país. É nestas alturas que temos de nos manter unidos. Exige-se, por isso, um esforço permanente de diálogo e concertação entre o Governo, os partidos da Oposição e os parceiros sociais". E remata com o exemplo do espírito de unidade na celebração do 1. Oº de Maio - um "dia de festa sem confrontos nem sectarismos" - no ano distante de 1974...
E assim se promove a "objetivo nacional" uma tarefa de eficácia duvidosa e diminuto alcance para servir de tema à celebração solene da conquista da liberdade e da fundação da democracia. E assim se transforma em imperativo patriótico a recuperação de uma imagem externa positiva cuja perda, contudo, parece não precisar de ser rigorosamente explicada e compreendida.
Apesar de os portugueses enfrentarem a mais grave ameaça de sempre à sua sobrevivência como povo soberano, da falta de solidariedade na partilha dos sacrifícios exigidos e da mais feroz demagogia na distribuição de responsabilidades, a mensagem presidencial descreve-nos um país isento de conflitualidade política, que sobretudo precisa de cuidar melhor da sua aparência.