Era uma força primordial do Porto e do Norte, feita do granito que tinha já produzido grandes soldados, reis, poetas e santos. Foi filho de advogado e neto de condes, produto do casamento entre o Portugal moderno e burguês e o país tradicional, com trono e altar.
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Estudou Direito em Lisboa, e não em Coimbra. Isso colocou-o, de certa forma, sob a sombra intelectual de Marcelo Caetano. Mais próximo de uma ideia prática do Estado, e muito mais próximo daquela área onde se percebe o Poder, onde se entendem as suas engrenagens, onde se descobre o seu caminho.
Lembro-me - muito pequeno - de Caetano o elogiar ao meu pai, salientando sobretudo a vivacidade e perspicácia do jovem deputado da "Ala Liberal". Na minha ainda limitada compreensão do país político, julguei ver no louvor já uma espécie de previsão de outra coisa. Outro sistema, outro regime, outro universo, ou só a transformação - acelerada e profunda - daquele que vivíamos?
A "revolução", ou só a "evolução na continuidade"?
Claro que Marcelo Caetano, que presumivelmente - como Gorbachev - queria modernizar o regime, para o salvar, tinha dúvidas. Não esqueçamos que era, ao mesmo tempo, o reformador que abria a porta, e o guarda portão que, por dever, a devia manter fechada.
A promessa era Francisco Sá Carneiro. Agora retratado por Miguel Pinheiro, numa biografia exemplar (Esfera dos Livros), 30 anos depois de Camarate, das guerras civis da mente, das tragédias que dificilmente saram.
Sá Carneiro morreu relativamente jovem, mas tendo vivido muitas vezes o tempo físico da existência comum. Como se lê, naquelas páginas bem escritas e bem engendradas, o processo vital de Sá Carneiro guiou-se mais pelo conflito e pela consciência, pela ruptura e pela decisão, do que pelo consenso e pela amnistia.
Foi também um desiludido, como se compreende deste livro sem artifícios, que deixa respirar o já fortíssimo drama nacional. Desiludido com o marcelismo, desiludido com o PREC, desiludido com Eanes, desiludido com muitos notáveis do seu partido.
Numa altura em que falamos de compromissos diabólicos, deve lembrar-se a altura em que Sá Carneiro, mesmo sem forças, se guiou pela força interior. Aquela que o colocou de mal com os outros e de bem consigo.
A tal que, sem ele querer, o transformou em mito da história e ídolo das massas.