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A recente extinção da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), decidida pelo presidente dos EUA, marca um corte profundo no modelo de ajuda internacional, desencadeando uma crise global sem precedentes. Responsável por cerca de um terço da ajuda planetária, a suspensão da atividade da USAID lança ondas de choque em várias zonas do globo (África Subsariana, América Latina, Ásia...), com consequências colossais em setores tão sensíveis como os da saúde, da segurança e das infraestruturas. Estaremos no limiar de um novo paradigma de apoio internacional? Há sinais disso.
Num extenso dossier dedicado a este tema, a revista “Courrier International” enuncia, esta semana, várias consequências desta súbita decisão de Donald Trump: no Quénia, milhares de doentes com tuberculose veem-se sem tratamento adequado, com unidades de saúde incapazes de garantir a continuidade dos cuidados; em campos de refugiados na Síria, o acesso a água potável tornou-se um luxo inacessível, com preços disparando devido à falta de financiamento para sistemas de purificação; no Camboja, programas de desminagem essenciais para a segurança das populações foram suspensos, deixando extensas áreas rurais como armadilhas letais; na África do Sul, vários especialistas alertam para um eventual aumento de 500 mil mortes por HIV nos próximos dez anos devido à falta de suporte para tratamentos antirretrovirais.
O fim da USAID põe a nu a enorme fragilidade do desejado equilíbrio entre assistência humanitária, desenvolvimento a longo prazo e influência geopolítica. Vários antropólogos e sociólogos ouvidos pelos jornalistas do “Courrier International” defendem que o modelo de auxílio que vingou até aqui, apesar de salvar vidas, enraíza-se numa lógica neocolonial, perpetuando dependências e desigualdades. Por isso, seria adequado que se promovessem modelos de desenvolvimento autossustentáveis, capazes de reduzir substancialmente a necessidade de subvenções cíclicas.
Uma das alternativas emergentes é a substituição de doações por investimentos lucrativos. No Brasil, por exemplo, os Emirados Árabes Unidos financiaram a renovação de duas favelas (Baixada Fluminense e São Gonçalo) não como um gesto filantrópico, mas como um investimento com retorno esperado. Esta abordagem, pouco consensual, sugere um caminho diferente onde os recursos externos não são esmolas, mas oportunidades de negócio. Aqui pode estar o ponto de viragem para formas de cooperação que privilegiem o desenvolvimento estrutural, sem as amarras do passado a fim de dotar os países em desenvolvimento de uma autonomia real.