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Entre 2012 e 2023, Portugal viu o número de doutorados residentes em Portugal crescer 73 por cento. A maior parte destas pessoas trabalha no setor público, sobretudo nas universidades e nos politécnicos. Apenas 10 por cento estão em empresas; e 3 por cento, em instituições privadas sem fins lucrativos.
É preciso começar a inverter estes números.
Fazer um doutoramento em Portugal é ainda muito dispendioso e nem sempre rentável. As propinas são caras e o esforço individual para elaborar uma tese é considerável, nomeadamente quando um doutorando acumula essa tarefa com um emprego a tempo inteiro. Por outro lado, o mercado laboral não valoriza muito quem se atira para essa empreitada. Excetuando a carreira universitária que considera esta prova obrigatória, o restante setor público e o setor privado não veem grande utilidade nessa qualificação dos seus trabalhadores. E, por vezes, têm razão. Porque a investigação nem sempre é relevante.
Perante este estado de coisas, o que há a fazer? Muita coisa.
Em primeiro lugar, os cursos de doutoramento devem ter estruturas curriculares mais abertas e com a flexibilidade suficiente para ir ao encontro daquilo que são as necessidades dos seus estudantes. Depois, os projetos de tese também devem permitir que os doutorandos desenvolvam investigação experimental e aplicada com mais ressonância no seu dia a dia profissional. Há poucos anos, a Fundação para a Ciência e Tecnologia criou bolsas em ambiente não académico para incentivar o estudante de doutoramento a desenvolver trabalhos com ligação ao exterior, sendo acompanhados por um professor doutorado e por alguém de uma empresa ou de instituição pública, por exemplo. Os próprios cursos de doutoramento poderiam também fomentar isso. Mas tal empreitada nem sempre é simples, porque há professores pouco conhecedores do meio profissional para o qual formam estudantes ou então cheios de teorias difíceis de concretizar. Perceber o que determinado curso de terceiro ciclo faz para que se desenvolvam teses com forte impacto social/económico/tecnológico/cultural deveria ser um requisito a considerar quando se avalia um projeto de ensino desse nível.
Por outro lado, seria imperioso rever a integração dos doutoramentos na progressão das carreiras, valorizando mais quem, durante três anos, desenvolve uma tese. Porque, na verdade, tal formação dota o doutorado de outras competências que o mercado de trabalho não deveria desbaratar.
Se nada disto for feito, rapidamente o número de doutorados vai estagnar e recuaremos consideravelmente na evolução do conhecimento científico, sobretudo naquele com um impacto mais imediato para o desenvolvimento do país.