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1.Em outubro passado pronunciei-me nestas páginas sobre a limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais, antevendo o conjunto de problemas e a incerteza política que decorreria da Lei quando começassem a ser concretamente formuladas as candidaturas. Nessa altura afirmei discordar desta legislação e apresentei as muitas razões desta minha discordância. E, por maioria de razão, acrescentei não entender por que não poderia um presidente de Câmara com três ou mais mandatos candidatar-se a um outro município. Todos os argumentos que aduzi foram de natureza política e não técnica.
Sempre me convenci que, a seu tempo, a clarificação jurídica seria feita, até porque a maioria governamental tinha manifestado a intenção de candidatar autarcas com mais de três mandatos sucessivos. Mas enganei--me. A Assembleia da República empurrou vergonhosamente para os tribunais a decisão ao recusar-se a clarificar o alcance da Lei.
A hora da verdade chegou. No caso da candidatura de Fernando Seara à presidência da Câmara de Lisboa, o Tribunal Cível tomou a decisão de a recusar. Como se previa, a confusão está instalada.
Quem mais tem a perder com esta indefinição é o partido que lidera o Governo, que agora vai recorrer da decisão até ao Tribunal Constitucional. Alguns dos seus nomes mais fortes para o combate autárquico estão já no terreno. Se a clarificação da Lei pelos tribunais se fizer no mesmo sentido do Tribunal Cível de Lisboa, dificilmente o PSD terá tempo para lançar candidaturas alternativas às recusadas. E mesmo que o faça, serão sempre segundas escolhas. O grande responsável pela situação criada é o partido que dispõe do maior grupo parlamentar e comanda o Governo. Ao baixar os braços, ao não dar a cara, o PSD deu mais um tiro no pé.
2. A Comunicação Social anuncia o chumbo do Orçamento do Estado pelo Tribunal Constitucional. Não sendo ainda formal a decisão (trata-se de mais uma cirúrgica fuga de informação) fala-se de uma quebra de cerca de mil milhões de euros na receita.
Depois do desastre que representaram as previsões do Governo para a credibilidade do Orçamento, a confirmar-se a inconstitucionalidade das normas postas em causa, o OE 2013 aprovado teimosamente pela maioria parlamentar, apesar dos alertas vindos das mais insuspeitas fontes, fica reduzido a cinzas.
Ora, nestas condições, tem o Governo credibilidade para refazer o que obstinadamente fez aprovar? Os próximos dias serão de chumbo. Em tais circunstâncias, o presidente da República que enviou o Orçamento para fiscalização sucessiva, não vai poder mais continuar a lavar as mãos como se não lhe coubesse decidir.
3. Por certo informado da orientação do Tribunal Constitucional sobre o OE, o PS decidiu agora apresentar uma moção de censura ao Governo, por se encontrar o país " num labirinto sem esperança " e em situação de " pré-rutura social". Em condições normais, os votos da maioria são suficientes para derrotar a moção socialista, o que com grande probabilidade acontecerá. Mas a verdade é que nunca antes o Governo se apresentou tão fragilizado perante o Parlamento e o país. É bem provável que a moção seja debatida na AR em cima da decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento. De qualquer forma, esta moção de censura nunca será inócua, mesmo que derrotada. Acima de tudo, ela representa uma rutura formal do PS com os partidos do Governo, uma declaração estridente de recusa de qualquer tipo de diálogo, que Passos Coelho não soube ou não quis incentivar.
4. Sócrates está de volta. E o seu reaparecimento fez-se com estrondo. Momentos depois de conhecida a notícia, rebentavam nas redes sociais comentários e petições. Dezenas de milhares de pessoas tomaram posição sobre este regresso. A RTP bem pode regozijar-se com o sucesso da sua contratação. Uns porque o odeiam, outros porque o adoram e ainda outros porque esperam do contraditório a clarificação de muitas situações não esclarecidas até hoje, levam a concluir que o programa tem audiências garantidas. Há muito quem na área do Governo entenda que este aparecimento servirá apenas para distrair os socialistas e desviar as atenções dos seus dirigentes para o combate interno. Só quem não conhece José Sócrates pode pensar assim. O PSD e o Governo que se cuidem. A história destes últimos anos vai ser reescrita.