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Há muita gente no PSD a pensar que varrendo Manuela Ferreira Leite da liderança do PSD o partido começará nova vida. É um erro. É evidente que ela deve deixar a liderança mas, estando a saída prevista para Maio, não se vê o que pode o partido ganhar por antecipar o processo. A menos que haja alguém no horizonte com capacidades superiores mas incapaz de esperar mais um pouco. É pouco provável. O PSD necessita, além disso, de voltar à normalidade, não podendo estar sempre pronto para apear um líder. E o líder que vier tem de ser sólido, não sendo o líder de uma facção. E o partido precisa de doutrina, precisa de voltar a discutir política para poder traçar um rumo que lhe sirva de guião. O que o partido não pode é perder sucessivas eleições - e, cuidado, não apregoem muito que venceram as autárquicas porque podem convencer-se disso - e persistir nos mesmos erros.
Em boa verdade, a questão da liderança no PSD é uma questão dos dirigentes. Não é um movimento de militantes que agita as águas sociais-democratas. São os dirigentes, com as suas guerras, as suas estratégias, as suas clientelas sedentas dos poderes que o partido tem para distribuir - é essa gente, que não respeita um líder eleito em congresso e não descansa enquanto não o derruba, que tem conduzido o partido para onde está. O partido assistiu a dois mandatos de Guterres longe do poder, conseguiu, mediante a desistência de Guterres, eleger Durão Barroso e, depois desses dois anos de poder, é o desastre que se sabe. Quando Sócrates e o PS pareciam enfraquecidos, o PSD seguiu a estratégia errada, sem aparecer com a sua máquina partidária nas arruadas e comícios, sem propostas, sem uma ideia, apenas dizendo mal.
A varredela de que o partido precisa passa pela sua classe dirigente. Quase todos os actuais dirigentes do partido são filhos do Cavaquismo ou do Barrosismo. Cavaco está em Belém, Barroso em Bruxelas, um e outro não podem - nem querem - ser os tutores dos que ficaram. Piores do que estes dirigentes a quem a orfandade (evidente sobretudo no caso dos cavaquistas) deixou sem rumo, são alguns ideólogos que nunca puseram "a mão na massa", isto é, que nunca exerceram o poder. São teóricos ressabiados, gente que gosta de se pôr atrás da cortina. Eles não querem a honra de um ministério nem "esmolas" dessas. Querem aconselhar, ser ouvidos, gozar do privilégio de serem eles os estrategos.
A verdade é que aquilo que ainda hoje é o PSD vive longe destas realidades. A verdade é que os militantes que conjugam o verbo ganhar não se revêem nestas estratégias palacianas da Rua de São Caetano à Lapa nem praticam os mesmos processos. Eles ganham autarquias por esse país fora, e quase se poderia dizer em alguns casos, apesar da direcção do partido, apesar do isolamento e dos erros da liderança nacional. É por aí que o partido deve recomeçar. Ouvir as bases e os autarcas que têm ganho. Esses conhecem as necessidades das populações, sabem que um partido só faz sentido para servir as pessoas. O partido tem gente desta em grandes cidades e em aldeias remotas. Mas não vale a pena ter muitas ilusões. A voz que vem de detrás das cortinas não é isto que diz. E, assim, dificilmente o PSD aproveitará esta oportunidade para renovar a sua classe dirigente, fazer um amplo debate interno para poder aparecer ao eleitorado com novos rostos, novas políticas, novas propostas. O partido precisa deste banho de humildade antes de voltar a aparecer ao eleitorado. Infelizmente para o partido e para o país há gente no PSD que pensa que é um banho de poder que resolve tudo o resto, limpa a crise. Para esses, o que é preciso é correr depressa com o Governo e chegar de novo ao poder. O tempo mostrará como não têm, definitivamente, razão.