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O discurso do presidente da República, no Ano Novo, foi um sério aviso ao Governo e à Oposição, e revelou aos portugueses a situação real do país. A sua visão coincide com a de muitos observadores. Infelizmente, a conjugação de défices crónicos nas contas públicas e na balança de pagamentos obrigam, agora, a medidas draconianas e impopulares. Aos avisos que chegam, quer do FMI quer de Bruxelas, seguir-se-ão os ultimatos, se nada for feito com urgência.
Ora, a situação política não favorece a implementação dessas medidas, porque o partido do Governo não dispõe de uma maioria que muscule a sua acção e os da Oposição, não estando envolvidos na governação nem tendo sido convidados para um pacto de regime, não se sentem co-responsabilizados nem motivados para dar tréguas ao Governo.
No fundo, a retórica do Governo continua a ser alinhada com a ideia, grata à Esquerda, de que o Estado a tudo pode acudir e tudo pode resolver - e que convence os incautos e comoveu o eleitorado - mas a situação do país obriga a encontrar formas expeditas de domesticar a despesa pública. Há, porém, uma contradição óbvia: é que, mais tarde ou mais cedo, e a exemplo de Mário Soares, Sócrates vai ter de meter o socialismo na gaveta.
Ao escolher um calendário imprudente para se aliar à Esquerda numa questão controversa e sem impacto na crise, Sócrates complicou os consensos com a Direita, que estará menos disponível, assim, para viabilizar e pagar parte da factura política das medidas antipopulares de um Orçamento Geral de Estado (OGE) de rigor. Acresce que o PS não tem crédito para criticar as oposições se estas propuserem, na especialidade, medidas que aumentem a despesa pública, já que o Governo continua a fazer promessas no mesmo sentido e a projectar obras que o estudo divulgado esta semana pelo BPI sobre a sustentabilidade das contas públicas demonstra serem irrealistas.
A essência da mensagem do PR, numa altura em que se vai começar a discutir o OGE, é de que as medidas para debelar a crise precisam de um largo consenso partidário. Não se trata, apenas, de conseguir que o OGE passe no Parlamento.
É preciso garantir uma cooperação para que, nos meses que se seguem, as tensões sociais que inevitavelmente advirão, não incendeiem o país. O PR ofereceu o seu apoio, que será um amortecedor para garantir a estabilidade política e social e o PSD correspondeu, disponibilizando-se para uma parceria.
Veremos se o PS e o PSD se conseguem entender, e como o irão fazer. Sem recurso a mais receitas e sem poder aliviar as políticas sociais, a solução passa por políticas que garantam maior selectividade no investimento público e aligeirem o sobrepeso da máquina do Estado.
Não se trata, apenas, de domesticar a despesa primária, mas também de aumentar a produtividade dos serviços que a administração presta aos cidadãos, incentivando dessa forma a competitividade nacional. Ora, um melhor Estado depende de uma revolução que altere o seu paradigma.
É por isso que, ao contrário dos que vêem a regionalização como um luxo que pode esperar, entendo que essa reforma é, mais do que nunca, inadiável: é a chave para a devolução de poderes e para um justo equilíbrio territorial e social, que resolveria muitas das ineficiências da nossa anquilosada administração que, de outra forma, continuará hiperconcentrada e entrincheirada na capital, e resistirá, impenitente, a toda e qualquer reforma. Para que os portugueses aceitem mais sacrifícios, é preciso convencê-los que algo vai mudar.