Há um ano, em plena campanha eleitoral para as presidenciais, o homem que viria a reocupar a cadeira de Belém revelava em jeito de lamento que a sua mulher, Maria, auferia uma reforma de 800 euros mensais quando, já se sabia, 1,5 milhões de pensionistas viviam com pouco mais de 400 euros. Foi a resposta infeliz que Cavaco encontrou para dar a uma idosa de Ponte de Lima que acabava de lhe pedir ajuda para aumentar os seus parcos rendimentos.
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Talvez por se sentir cansado de ver a sua fotografia nas páginas dos jornais associada às "reformas douradas", ontem, à boca cheia, o mesmo Cavaco Silva voltou ao tema reformas - e ao desnorte de tentar justificar o quão poupado tem de ser - para anunciar surpreendentemente que as duas pensões que recebe não chegam para as despesas que tem.
Cavaco referiu os 1300 euros que entram mensalmente na sua conta oriundos da Caixa Geral de Aposentações referentes à sua antiga actividade profissional de professor universitário, mas omitiu, por alegado desconhecimento, a verba que recebe enquanto antigo quadro do Banco de Portugal onde só sabe que ocupa o nível 18 da tabela salarial, ou seja, o mais elevado.
Ainda que a dúvida do presidente tivesse a ver com a inclusão, ou não, dos subsídios de férias e de Natal no bolo a pagar aos ex-funcionários do BdP, os jornais online não perderam tempo e deram uma ajudinha ao economista que, ao que parece, só faz as contas que lhe dão jeito. O Dinheiro Vivo, por exemplo, pegou na calculadora e concluiu para o JN (ver página 30) que o presidente ganhará actualmente qualquer coisa a rondar os 10 mil euros brutos. Tendo por base a declaração de rendimentos entregue por Cavaco Silva (que prescindiu do salário de presidente para receber as pensões) em 2010 sabemos que o presidente da República auferiu em 2009 um valor próximo dos 8700 euros/mês.
Não sabemos (e Cavaco também não o disse) qual o valor das despesas mensais do autoproclamado austero casal Silva, mas neste emaranhado de números, o valor maior ou menor das pensões do presidente e dos seus gastos não é o mais importante. No período difícil que vivemos, esperava-se do mais alto magistrado da Nação, que muito tem falado de sacrifícios. Esperava-se tanto de verdade quanto de bom senso e não declarações que parodiam quem as profere e, principalmente, ofendem quem, como todos nós, vai também sofrer um anunciado corte nos rendimentos familiares ao longo deste ano. Por tudo isto, só nos resta esperar que Cavaco venha agora esclarecer, com rigor, quanto realmente ganha e, já agora, se o que ganha não chega de facto para as despesas. Os portugueses, que todos os meses fazem contas ao que recebem, querem ver esse tabu esclarecido.