Corpo do artigo
Exemplo acabado de irresponsabilidade política e de falta de respeito pelos deputados e por todos nós - assim foi o depoimento de Lacerda Sales na comissão de inquérito (CPI) que investiga o caso das duas gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com um medicamento que custou quatro milhões de euros ao erário público. Quase 40 audições deixam poucas dúvidas de que o ex-secretário de Estado mandou marcar a consulta para as duas crianças que são filhas de amigos do filho de Marcelo Rebelo de Sousa. O que falta saber é por que razão o fez, se houve outras influências (leia-se cunhas) e o se o presidente da República vai prestar depoimento sobre o caso que manchou indelevelmente o seu mandato.
Ouvido em junho e na sexta-feira, Lacerda Sales fez um uso muito conveniente do estatuto de arguido: recusou responder a todas as perguntas incómodas, mas não se coibiu de negar “qualquer interferência pessoal ou política” no caso. E quando foi pressionado a dar esclarecimentos, resvalou para a impertinência: “Não percebo o que é que o senhor deputado não percebeu das minhas palavras. Nada mais direi. Só se fizer um desenho”.
Não é preciso um desenho para se perceber que Lacerda Sales usou a sua influência para as duas crianças receberem o medicamento mais caro do Mundo num processo de contornos mais do que obscuros. Basta ouvir o que os seus colaboradores diretos declararam. A antiga secretária foi clara ao assumir que recebeu ordem do o ex-governante para contactar o hospital. E o chefe de gabinete considerou que uma secretária jamais teria autonomia para tal e só “um membro do Governo” o poderia fazer . Recorde-se que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde concluiu que o processo não foi legal e que o Ministério Público o constituiu arguido por suspeita de abuso de poder.
Acossado pelas justas dúvidas, Lacerda Sales defendeu o seu oportunista silêncio com o argumento de que, “em Direito, o princípio de que quem cala consente não existe”. Mas foi exatamente o que aconteceu.