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Há uns anos, ficou célebre a afirmação de Augusto Santos Silva, comparando a concertação social a uma “feira de gado”. A avaliar pelas últimas semanas, a pré-campanha das legislativas está também transformada numa espécie de feira, não de gado, mas de promessas, para ver qual dos candidatos dá mais à sua franja eleitoral.
A convenção do Chega talvez tenha sido o ponto alto deste leilão eleitoral em curso. André Ventura foi a todas, desde a reposição do tempo de serviço dos professores, ao aumento de reformas, sem esquecer clichés do voto de protesto como a economia paralela ou os “sacrifícios” à banca.
O Bloco de Esquerda não aceitou ser ultrapassado no “ataque aos ricos” e propôs impedir a venda de casas a não residentes, travar o alojamento local e tributar as grandes fortunas. Entre outros desvios mais ou menos populistas, defendeu ainda as 35 horas de trabalho ou o controlo estatal sobre o preço das rendas. Talvez por sentir que era demais, Mariana Mortágua lá veio prestar contas das suas promessas, tendo, no entanto, investido mais tempo a atacar os números da AD, do que a explicar os seus próprios.
Neste frenesim, entrou também Pedro Nuno Santos com o anunciado fim de portagens no Interior. O ex-ministro ignorou apenas um pormenor: por mais de dois anos, ele foi o titular da pasta das autoestradas e não consta que tenho feito alguma coisa sobre o assunto. Já a AD procurou, sem sucesso, marcar agenda com o quadro macroeconómico, mas acabou atropelada pelos acontecimentos na Madeira.
Este é um fenómeno penoso de assistir, por vários motivos. Denota, desde logo, um grande alheamento da realidade por parte dos responsáveis políticos e o vazio de muitas das ideias programáticas. Por outro lado, trata os eleitores como fregueses da praça, permeáveis às promoções de última hora. Finalmente, revela uma enorme falta de escrutínio, desde logo por parte da Comunicação Social, que se limita a reproduzir anúncios sem factos ou contexto adicionais.
Seria bom que, numa fase decisiva da campanha eleitoral, as candidaturas dessem outro exemplo à população e optassem por apontar mais para os problemas de fundo, em detrimento das medidas de circunstância. O estado a que o país chegou é sério demais para tanto folclore eleitoral.