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Desconfio que a malta gosta de falar do lince da Malcata para distrair da espécie que verdadeiramente está em vias de extinção: o português, esse mesmo. Depois das italianas, as portuguesas são as europeias que menos filhos têm entre os 28 países analisados pelo Eurostat, o organismo estatístico da União Europeia. Portugal está a perder população, há nove anos consecutivos. São mais os que morrem do que os que nascem. Somos menos 150 mil que em 2009. Só no último ano, o saldo é negativo em 24 mil, à razão de 65 portugueses a menos por cada dia, um silencioso Pedrógão diário a ensombrar o futuro da brava espécie.
A aragem de primavera na economia não disfarça o prolongado inverno demográfico. Em Portugal, há apenas 8,4 nascimentos por cada mil habitantes, três vezes menos que há 50 anos. É a nossa taxa bruta de natalidade, desgraçadamente inferior aos que morrem, de 10,7 por cada mil. Para repormos a população portuguesa, assegurando a substituição de gerações, as nossas mulheres deveriam estar a conceber, em média, 2,1 filhos (agora é de 1,2), pese a desumanidade das médias. Estamos em perda prolongada e a espiral inquieta: menos crianças a nascer significa menos jovens ativos e contribuintes, e cada vez mais pensionistas. Em calão da moda, é a sustentabilidade do sistema de segurança social que está em causa. Em melhor português, o problema está em saber como e quem vai pagar a conta. E se alguma fatura, a prazo, ainda se exprime em português.
Quando se sabe que os pensionistas já são um terço do eleitorado, é tempo de os nossos políticos tentarem perceber porque é que a Suécia e a Irlanda, por exemplo, voltaram a ganhar população. É certo que as noites deles são mais frias e a televisão é pior que a nossa, mas foram as políticas ativas de apoio à natalidade e aos casais jovens que fizeram inverter a funesta tendência. Por cá, o diagnóstico está feito, mas rapidamente esquecemos as causas e preferimos iludir as consequências. A experiência daqueles países indica que o declínio pode ser revertido, se houver políticas públicas com impacto nas condições que favorecem e protegem a maternidade: mais dias de licenças, partilháveis entre os membros do casal, creches mais acessíveis e redução da jornada laboral por criança são apenas alguns exemplos das que se revelaram mais eficazes. Está aliás demonstrado que a fertilidade é maior onde é também maior a taxa de emprego das mulheres. Eis porque não podemos resignar-nos a este retrato enrugado de um povo que definha, em suicídio assistido.
* DIRETOR