O homem é o único animal que ri, ensinou-nos Aristóteles, que não conheceria a hiena, por sábia observação do nosso género. É assim desde o primeiro assomo da inteligência humana. Mas não é, seguramente, o único animal com medo, ainda que ter medo seja próprio também dos homens.
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Estamos meio mundo em estado de choque, enquanto Paris está em alerta absoluto, depois do atentado que fez 12 mortos, na manhã desta quarta-feira.
Doze mortos e quase outros tantos feridos, alguns em estado crítico.
Podemos relativizar: há muitos anos que a Europa, muito antes até dos Estados Unidos, lida com afloramentos de terrorismo. Dos atentados de Munique aos Baader Meinoff, na Alemanha, às Brigadas Vermelhas italianas e por aí fora...
Mas este é um tempo e também uma motivação diferentes.
O terror agiu de forma profissional, operação estudada ao pormenor e ataque à hora escolhida: era a hora em que estava reunida a equipa do jornal, o Charlie Hebdo, uma publicação conhecida pela sua irreverência política e pela crítica a todos os fundamentalismos.
Entre os que caíram, estavam o diretor Charb, executado friamente com uma bala na cabeça, e Wolinsky, esse génio do desenho humorístico, o riso feito instrumento poderoso contra poderes, que desfez preconceitos e dessacralizou tabus.
Para ele, que há 10 anos era também presidente do júri internacional do Porto-Cartoon, o humor era "o caminho mais curto entre duas pessoas", mas ontem nem teve tempo de lhes fazer (aos carrascos) um desenho.
Dizia-nos Mandela que o homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que age, fala e, se preciso for, conquista por cima do medo.
Haverá, entre nós, quem apregoe a moral de que o riso e o risível são falsos prazeres, experimentados pela multidão medíocre de homens. Acontece que não se elimina o riso eliminando o livro, o jornal, o pensamento.
O atentado cobarde de ontem põe-nos, a todos, diante de uma escolha: a liberdade ou a barbárie.
Quem ganha com o medo?