Os mercados entraram em pânico com a decisão do primeiro-ministro grego de referendar o segundo plano de auxílio ao seu país, que permite descontar metade da sua dívida e garantir a continuação da ajuda externa.
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A haver esse referendo, seria quase certo que os gregos votariam "não" porque, para eles, o que está em jogo são as novas medidas de austeridade que lhes são pedidas em troco dessas benesses, e a perspectiva externa do perdão da sua dívida pouco lhes interessa. Além do mais, as consequências futuras de tal voto de protesto, que implicaria sacrifícios muito maiores do que aqueles que já conhecem - porque não se antevê que o país pudesse encontrar fontes alternativas de financiamento - não são fáceis de avaliar por um eleitorado descontente e inflamado.
A intenção de Papandreou parecia, de resto, irresponsável e tardia porque esse referendo só teria feito sentido há dezoito meses, numa altura em que a Grécia ainda podia escolher entre a bancarrota, que levaria ao seu isolamento internacional e a cortes abruptos na despesa pública, e a ajuda externa, com a inevitável austeridade e a perspectiva de uma longa recessão.
Mas, independentemente dos méritos ou do resultado desse referendo, o adiamento que este implicaria teria um custo insuportável para todos os outros países da zona Euro. Em rigor, abriu-se uma caixa de Pandora, que desnuda todas as fragilidades do grandioso plano europeu de criar uma união política e fiscal. Se o referendo se realizasse, ficaria claro que os governos podem assinar tratados e assumir compromissos solenes de subordinar a sua política fiscal aos desejos de Bruxelas, mas estão sempre sujeitos à vontade do povo que, num ápice, os pode destronar, comprometendo uma unidade europeia que faz da austeridade o seu único alicerce. E, naturalmente, os mercados não são cegos a esse risco: como se viu esta semana, não deixam de o repercutir no preço que irão cobrar aos outros estados periféricos, a quem essa política de austeridade também é imposta.
Foi por isso que a Grécia se viu forçada a recuar, perante a ameaça de exclusão da Zona Euro. O ultimato a que Atenas se submeteu aliviou a pressão e pôs cobro à emergência, mas destruiu o princípio de unidade entre os países do Euro, ficando demonstrado que os mais prósperos podem desfeitear os sistemas democráticos dos mais pobres.
Não será este o fim da unidade europeia mas, para que o projecto subsista e se aprofunde, não poderá deixar-se estruturar à medida da burocracia de Bruxelas, que vai impondo regras e regulamentos, ou pelos países que vislumbram na força das suas economias o cimento de um futuro federal. Esta Europa, imaginada que foi depois de um conflito mundial que, recorde-se, teve na sua origem uma terrível depressão, pode voltar a ser reconstruída depois do choque dos últimos anos e dos abalos sucessivos que a têm vindo a arruinar. Não pode ser, apenas, uma forma de organização de estados dependentes e subjugados, que gravitam na periferia de um qualquer império de países ricos, nem pode ser erigida à espadeirada, como o tentaram Napoleão e Hitler.
A Europa que se quer livre e democrática só pode ser reconstruída se houver, para além dos sacrifícios que agora são necessários, uma perspectiva de futuro, uma luz ao fundo do túnel. Se os seus cidadãos não acreditarem que a austeridade é um caminho duro mas não é o seu destino, se não perceberem que a entreajuda entre os estados é uma oportunidade e não um castigo, se não lhes for dada a esperança de que a bonança que se seguirá à tempestade, se não houver um modelo coerente de partilha de poder entre estados, esta crise europeia ditará o fim da União Europeia, tal como a conhecemos. E, se isso acontecer, a Europa estará condenada ao caos, a ser dilacerada pelos velhos conflitos nacionalistas, a mergulhar na irrelevância estratégica e económica, incapaz de competir com as outras potências mundiais, e a ver comprometidos os seus valores e conquistas essenciais.