A pouco e pouco, têm vindo a criar-se consensos sobre as características que a intervenção dos poderes públicos na actual situação económica deve revestir. Entre elas avulta a necessidade de o seu impacto dever ocorrer, e propagar-se, rapidamente. Com esse pretexto, o governo propôs-se dispensar de concurso público, durante dois anos, as empreitadas até 5 milhões de euros.
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Tanto bastou para que se levantasse um coro de protestos, da esquerda à direita, invocando que a medida abre as portas ao aumento da corrupção e do tráfico de influências. Como de costume, os autarcas foram o "bombo da festa". Nada como as autarquias para levar ao extremo o maniqueísmo entre os bons e incorruptíveis (os que escrevem ou emitem opinião, obviamente) e os maus (os políticos, com os autarcas à cabeça, os empreiteiros e, mais recentemente, os financeiros).
Ninguém no pleno uso da razão poderá negar que existam fenómenos de favorecimento ou abuso de poder. Acontece em todas as sociedades (veja-se o caso recente do governador do estado de Illinois, acusado de tentar vender o lugar deixado vago por Obama). Como se previne ou dissuade? Através do aumento da complexidade dos procedimentos dos concursos? Não. Pelo contrário: o aumento da burocracia sempre fomentou compadrios. As melhores práticas sugerem concursos com regras relativamente simples e procedimentos expeditos e transparentes. A multiplicação de condições, cláusulas e alíneas apenas promove a litigância sistemática. Junte-se-lhe a lentidão da nossa justiça e temos o resultado: protelamento e, consequente, encarecimento das obras.
Quer isto dizer que vale tudo apenas para acelerar o processo decisório? Obviamente que não. A própria Associação Nacional de Municípios propôs alguns procedimentos que evitem a discricionariedade, em particular a obrigatoriedade de consulta de um número mínimo de entidades. Igualdade de oportunidades, concorrência e transparência acrescentaram. Para actores centrais da corrupção, parecem pássaros à procura da gaiola!
Nas sugestões apresentadas sublinho a transparência. O governo, e bem, tem procurado aproveitar o potencial da Internet para tornar mais céleres, cómodos e simples alguns procedimentos. Os próprios concursos públicos estão hoje muito mais simplificados e expeditos. Porém, um Observatório previsto no código dos concursos públicos ainda não passou do papel. Tal como não passou do papel a promessa de, no âmbito do QREN, estabelecer um mecanismo semelhante que permitisse saber, por exemplo, quais os investimentos que invocam um impacto nacional. E que, por isso, mesmo que sejam realizados numa única região do país (ainda que, de outro modo, inelegível para apoio dos fundos estruturais - preciso dizer mais?) são imputados às várias regiões, na proporção prevista na atribuição dos financiamentos europeus.
Na ausência de informação, especula-se sobre o que estará a acontecer. Desconfia-se. Dá-se azo à suspeita. E palco aos verrinosos.
A disponibilização de mais e, mormente, melhor informação é uma prioridade absoluta na construção da confiança recíproca que permita concentrar-nos no que é realmente importante: dinamizar a economia, construir uma sociedade mais justa e solidária.