O meu Pai, que era médico, sempre me ensinou que o hospital não se escolhe pela qualidade da hotelaria, mas sim pela qualidade dos serviços de saúde, e eu aprendi a lição. Sou utente do SNS que já me salvou a vida uma vez.
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Não tenho nada contra os serviços de saúde privados, que também utilizo algumas vezes. Mas nunca esquecerei o que se passou em março de 2020, quando começou a pandemia. Eu tinha marcada uma mamografia num centro privado de imagiologia. Fui avisada que iam fechar e assim se mantiveram nos dois meses seguintes. Por acaso era um exame de rotina. E se não fosse? Se se tratasse de uma suspeita de uma situação mais grave, o que faria eu? Só me restaria recorrer ao serviço público. Ninguém estava preparado para responder aos desafios de uma pandemia inesperada, mas o serviço público arranjou maneira de se manter aberto.
Como cidadã, preocupo-me com a sustentabilidade do SNS. Não sou contra qualquer reforma, nem penso que o SNS seja intocável no seu formato inicial. Sei que a pressão sobre a despesa vai crescer com o aumento da esperança de vida ou a sofisticação dos medicamentos e dos meios de diagnóstico, o que vai exigir ajustamentos na gestão do SNS, que devem ser procurados. A diferença nos resultados dos diferentes hospitais do SNS mostra, aliás, que é possível ter no público gestão e resultados de topo, e que há espaço para progredir sem ter de deitar fora as bases do modelo.
Há, porém, forças políticas, como o PSD, que nunca morreram de amores pelo SNS. Votaram contra a lei que o criou em 1979, e chegaram a revogá-lo num dos primeiros governos da AD. Mais tarde, em 2008, os candidatos à liderança do PSD, Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho, declaram-se claramente a favor do fim do SNS tendencialmente gratuito. Rui Rio vem agora com uma proposta de revisão constitucional no mesmo sentido, passando a ser gratuito só para quem não possa pagar.
Como já foi explicado, uma solução destas afastaria muita gente do SNS, podendo condená-lo como serviço universal de qualidade, ficando uma espécie de serviço marginal para os pobres. Pensemos, a propósito, no que se passaria com os casos graves que hoje acabam em hospitais públicos vindos de serviços privados.
Como é possível, depois do que passámos nesta pandemia e da experiência que tivemos na grande resposta dos serviços de saúde, pensar em prescindir de um serviço público de saúde para todos?
Acharia eu que tínhamos feito um prolongado e doloroso teste do que seria um país sem um Estado capaz de organizar as respostas na saúde e no apoio social e que eram sinceros os agradecimentos que fizemos aos que deram conta da sua missão. Espero que os eleitores deem a resposta convincente a esta dúvida.
*Eurodeputada do PS