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O futebol torna tudo mais claro. A bola entra na baliza e é golo, ou não. Choramos ou rimos mas não há dúvidas sobre o resultado final. Os brasileiros descobriram ontem que o eterno improviso de Scolari era uma farsa. O país levou um rude golpe na sua autoestima. Dilma talvez perca as eleições. Mas, depois, o Brasil tem saída. Só não terá se mantiver o rumo imparável de acrescentar dívida à dívida e acabar por se tornar numa "Argentina". Isso não está à vista para já.
E Portugal? Por quantos está a perder na vida real? É a maior goleada dos últimos 100 anos. Talvez só no arranque da República isto tivesse batido tão no fundo. A economia portuguesa está ultraendividada e com o Estado a recuperar à custa da riqueza acumulada pelas famílias e empresas. Entretanto, este processo de ajustamento chega ao ponto previsto: a perda quase total dos centros de decisão nacionais.
Está a acontecer à frente dos nossos olhos e não parece possível. Em apenas três anos perdemos o controlo nacional da banca privada - Millennium, BPI e agora o BES. EDP, GALP, REN, ANA, CTT e setor segurador está todo já vendido a estrangeiros ou em vias disso (segue-se a Tranquilidade). E temos agora a cereja no bolo, o caso Grupo Espírito Santo. Embora pareça uma coisa excêntrica, o caso "Rioforte" significa a venda de empresas (hotéis, empresas agrícolas, grandes empreendimentos imobiliários) espalhados pelo Mundo e que têm de ser vendidos ao desbarato para a Rioforte tentar pagar aos credores.
Os Espírito Santo eram a última lança portuguesa no Mundo. Se na terça e quinta-feira a Rioforte não depositar quase mil milhões de euros (mais os juros) na conta da PT, há mais um dano colateral: é a empresa de telecomunicações nacional a ser "engolida" pela brasileira Oi na fusão. E assim se porá altamente em risco aquela que era uma liderança ainda portuguesa num negócio muitíssimo estratégico.
À parte disto, a fusão da Zon com a Sonaecom deu um ascendente angolano à nova marca de telecomunicações. A Vodafone, como se sabe, é uma multinacional. Do ponto de vista da relação com a cultura portuguesa e produção de conteúdos de televisão, cinema e Internet, os decisores de todos estes grupos respondem a uma maioria de acionistas para quem a memória histórica do país vale pouco. Ver-se-á gradualmente isso no mecenato aos teatros, museus e casas de concertos. Na Imprensa a situação também é conhecida: há uma crescente alienação de ativos portugueses a grupos estrangeiros - Sol, Cofina, Controlinveste, Media Capital, entre outros. Os resultados, ano a ano, são quase tudo. Não há médio prazo.
Tudo isto parece já banal. Não é. Resta-nos pouca coisa que se veja com capital português: a Sonae, que apesar disso já tem a sede da holding na Holanda; e a Jerónimo Martins - cada vez mais agressiva na sua gestão internacional e com pouca vontade de deixar em Portugal quaisquer lucros. Ah, temos ainda a Caixa Geral de Depósitos que este Governo só não privatiza aos bocadinhos porque ainda não arranjou uma hecatombe que sirva de pretexto.
Resta-nos, no limite das forças, tentarmos contrariar a tomada definitiva dos recursos naturais. Mesmo assim já hipotecamos a fatura energética para décadas quando Sócrates instalou o regime de parcerias público-privadas nas novas barragens de Trás-os-Montes da EDP. Devagarinho vai-se fazendo o caminho para se privatizar a água - de uma forma tão complexa que as pessoas nem percebam bem o que se passa. Já não mandamos nos aeroportos, facto altamente criticado pela Associação das Companhias de Aviação Internacionais. Vêm aí as multinacionais das sementes, acabando com o que resta da agricultura tradicional. E o país é um imenso mar de celulose ao alto à espera de arder.
Portugal está a ficar o quê? Uma bandeira? Uma equipa de futebol? Estes anos que vivemos em velocidade (e sofrimento acelerado) representaram muito mais que os 7-1 do Brasil. Ao menos eles perceberam o que lhes aconteceu, choram, acabarão por se levantar. Era um jogo apenas. Nós já vamos em 50-0 na economia e parece faltar muito para esta jogo da vida real acabar.