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Aqui de longe, parece coisa de filme rasca, enquanto se comem tremoços: agarrem-me, senão vou-me a ele! Narcisos e fanfarrões, palitos nos dentes e penteados a pedir caricatura, Kim Jong-un e Donald Trump desafiam-se como dois cobóis. Oxalá, porém, não nos obriguem a recordar 2017 como o ano em que todos vivemos perigosamente. Pode dizer-nos a razão que dali não virá guerra, mas previne-nos o coração que a escalada de agressividade pode conduzir a ela.
O lançamento, esta semana, de um míssil sobre território japonês é um passo criminoso na corrida armamentista e revela a Coreia do Norte como a mais importante ameaça presente à paz mundial. Não é a primeira vez que o regime norte-coreano se mete com o Japão para provocar os Estados Unidos. Desta vez, no entanto, a agressão tem um claro propósito intimidatório: demonstra capacidade e tecnologia capazes de atingir, à mesma distância, uma parte do território americano, como é o caso da base naval no arquipélago de Guam, ao largo do Pacífico; e, podendo os mísseis carregar consigo ogivas nucleares, serve para lembrar Washington e os seus aliados regionais da sua vulnerabilidade. Isolado do Mundo e da vizinhança, o regime norte-coreano procura a demonstração de força, mas já só encontra na China e na Rússia alguma fiança. O mais preocupante, desta vez, é que do lado americano o protagonista, Donald Trump, é um presidente que, pelo menos na retórica das ameaças inflamatórias e apocalípticas, desce ao nível do déspota asiático.
Isto, enquanto, discreta e aparentemente, à margem destes jogos de guerra, a China finaliza a construção do seu segundo porta-aviões, de uma lista a que não conhecemos os limites. Os serviços de inteligência ocidentais previnem que o navio é capaz de transportar 50 bombardeiros, uma força aérea equivalente a um terço da espanhola, metade dos aviões de combate que possui a Holanda e o dobro dos que dispõe Portugal. Ter porta-aviões é muito mais que uma demonstração de poder, é uma declaração de intenções. E se os Estados Unidos se arrogam o direito e o poder de operar frotas de guerra, do Mediterrâneo ao Pacífico, a China não quer ficar para trás. A História (estamos a viver o centenário da Primeira Guerra Mundial) demonstra que a construção de grandes forças navais é o prenúncio de uma vontade de influência global. Nem que o efeito seja ruinoso e possa custar milhões de vidas. Uma coisa é certa: se o século XX chegou pelo Atlântico e, para o bem e para o mal, colocou a Europa no centro do Mundo, o eixo deste novo século está a mudar de oceano no mapa do futuro.
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