Quem tem medo da democracia?
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Em Portugal, a grave crise governativa do verão de 2013, gerada pela demissão do ministro das Finanças e a inesquecível "demissão irrevogável" do então ministro dos Negócios Estrangeiros, ameaçava provocar a queda imediata do Governo e, com o inevitável rompimento da coligação, a convocação de eleições legislativas. Desde então, multiplicam-se os apelos ao consenso, primeiro, por iniciativa do Presidente, que chegou a prometer eleições antecipadas, para o ano seguinte, caso o PSD e o PS se entendessem, e, de novo, já nas vésperas da conclusão do chamado "programa de ajustamento" e realização das eleições europeias, em maio de 2014. Com a aproximação do fim da legislatura e crescente ceticismo quanto à possibilidade da coligação de Governo obter um bom resultado eleitoral, o primeiro-ministro veio agora engrossar esse coro, endereçando à oposição a proposta de constituição de uma "plataforma de diálogo permanente". Temos de reconhecer que este é o corolário lógico daquilo que a maioria sempre afirmou: que não havia alternativa política e que a austeridade brutal, superando os compromissos assumidos no memorando de entendimento com a "troika", é o único programa de Governo possível. Mas a verdade é que estes apelos tardios e hipócritas não têm outro objetivo que não seja impedir a construção de uma alternativa política real e consistente a esta governação desastrosa cujos resultados os cidadãos eleitores continuam a experimentar diariamente na sua própria pele.
Na Grécia, a resignação dos partidos do "arco da governação" às políticas impostas nos últimos cinco anos pelo diretório europeu e pelas agências financeiras internacionais, destruiu a economia e generalizou a miséria. O resultado foi o crescimento da dívida e a deterioração crescente das já muito precárias condições de vida. A incapacidade dos democratas cristãos, sociais-democratas ou socialistas gregos, de gerarem uma política alternativa levou os eleitores ao desespero e alimentou a promessa de uma política diferente, no exterior do "bloco central". A democracia não serve apenas para assegurar a governação e a estabilidade. Serve para que o pluralismo político possa gerar alternativas de governação, de acordo com as preferências do povo soberano. Porém, em vez de reconhecer o falhanço desta política brutal comprovadamente ineficiente, o FMI e a Europa, em vez de mudarem as políticas, tentam a todo o custo, mesmo contra a vontade dos povos submetidos a esta brutal terapia, manter as mesmas políticas. Logo que a realização de eleições na Grécia se tornou inevitável, ameaçando a continuidade do Governo da confiança dos credores, o FMI anunciou que suspendia imediatamente o "programa de ajustamento" grego. Numa desesperada tentativa de condicionar as escolhas dos eleitores. Com o mesmo fito, a Europa ameaçou com a hipotética expulsão da Grécia da União Monetária, num ato de intolerável ingerência nos assuntos internos de um Estado-membro. Apesar de serem patentes a insustentabilidade das dívidas soberanas e os efeitos perversos das atuais políticas no conjunto da economia europeia, o que diz o nosso Governo, escondendo a cabeça na areia? - Tudo o que tem a dizer é que uma eventual saída da Grécia da União Monetária não vai afetar Portugal!
Não é por acaso que esta Europa esquecida da solidariedade e da democracia social que outrora lhe valeram a admiração do Mundo permanece indiferente à sorte dos seus povos e aos cadáveres que se acumulam no fundo do Mediterrâneo. Álvaro Vasconcelos referia, nas redes sociais, que "o extremismo identitário está de volta à Europa e representa já uma terrível ameaça. É a mesma recusa do outro, do direito à liberdade de opinião que matou, na Noruega, mais de 60 jovens, e que agora assassinou os caricaturistas de Charlie Hebdo! Quando soubermos quem são os assassinos, poderemos dizer de que corrente nacionalista identitária fazem parte, mas eu creio que já sabemos o essencial". O medo é pressentido à distância pelas feras geradas e mantidas pelos "desconcertos do Mundo" e que procriam em solo europeu. "Je suis Ahmed"... era o nome do polícia muçulmano assassinado pelos terroristas em frente à sede do "Charlie Hebdo".
