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Desde 25 de maio, quando ao fim da noite foram conhecidos os resultados das eleições europeias, que me tenho lembrado daquele desenho animado de Walt Disney que conta a história dos três porquinhos e do lobo mau. Sabem, aquela em que dois dos porquinhos, mais dados à preguiça e ao folguedo, dançam e cantam "Quem tem medo do lobo mau, do lobo mau, do lobo mau..." Dos dois malandretes, um deles construiu uma casa em palha, o outro em madeira. Ambas são varridas pelo sopro do lobo mau, e vão então refugiar-se na casa construída pelo terceiro, que, previdente, em tempo recorreu a materiais sólidos para conseguir resistir aos ataques. Pois, então, é assim: a União Europeia parece mais ou menos um dos porquinhos preguiçosos; o porquinho diligente é o que eu gostava que fosse o projeto europeu; e o lobo mau é o conjunto dos perigos que o põem em causa.
A esta luz, e creio que sem exagero, os resultados das europeias não são nada brilhantes.
Foi sendo inculcada, quase que por tradição, a ideia de que estas eleições serviam quando muito para afirmar um voto de protesto (interno); ou que não serviam para nada; ou que, fosse como fosse, nunca conseguiam sair do "nacional" e eram apenas ensaio geral para as legislativas, mas ensaio de segunda apanha. Para apimentar a coisa, lá continuam a surgir esparramados em tudo o que mexe os números "milionários" sobre a remuneração e as "mordomias" de que beneficia cada eurodeputado, sobre ele recaindo o odioso da presunção do monumental tacho.
No passado, os resultados nunca suscitaram particular excitação ou assomo cívico. Primeiro, porque os tempos eram de bonança (nas eleições de 2009, apesar de tudo, já tinham tocado as sinetas de alarme) e, havendo prosperidade, tudo o resto se mostrava secundário, ainda que começasse a cheirar a esturro. Depois, porque, realmente, não havia motivo para preocupação especial, e movimento mais extremista que surgisse era sempre remetido no areópago europeu para o quarto dos fundos, com uma representação muito residual.
Desta vez, foi diferente. Foi diferente porque, tendo nós assistido a um reforço real dos poderes (e da legitimação política) do Parlamento Europeu, assistimos da mesma sorte e de modo paradoxal ao crescimento significativo dos partidos antieuropeus, em versão soft apodados de eurocéticos, dos partidos extremistas (de direita ou de esquerda) e à erosão dos dois tradicionais pilares da construção europeia. Os populares europeus e os socialistas, com efeito, ficam perante o cenário de rapidamente poderem deixar de representar pelo menos cinquenta por cento dos eurodeputados (por justiça, não esqueço os liberais e os verdes).
Mais em concreto, em França deparamos, estupefactos, com a vitória estrondosa e impante da Frente Nacional de Marine Le Pen e ao colapso do Partido Socialista, que nem 14% alcança; no Reino Unido, com a vitória estrondosa e impante do UKIP de Farage, mescla populista, antieuropeísta, xenófoba e racista; na Grécia, à vitória do Syriza; e, mais a norte, com a vitória da extrema-direita na Dinamarca. E por aí adiante, com a cereja no topo do bolo a ser a eleição de eurodeputados neonazis na Grécia e na Alemanha.
Ou seja: pela primeira vez, há partidos políticos relevantes que, mais do que de protesto, têm consistência ideológica real contra o projeto europeu; pela primeira vez, a extrema-direita (mais ela do que a congénere de esquerda) ganha perante os eleitores uma legitimidade que lhe advém de uma ainda há pouco impensável aceitação do eleitorado; pela primeira vez, percebemos a sério (veja-se a abstenção na Eslováquia, muito acima dos 80%) que aos povos dos países de adesão mais recente parece ser totalmente indiferente o que se passa em Bruxelas ou Estrasburgo.
É, tudo isto me lembra o lobo mau. E gostava muito que, viesse ele a chegar, fôssemos o porquinho da casa de pedra sólida: da Casa Europeia. Porque, se me perguntam se tenho medo do lobo mau, digo já que sim. E podem chamar-me medricas à vontade, que não fico incomodado.
Já ia esquecendo: pela primeira vez, o Parlamento Europeu poderá conseguir designar o presidente da Comissão, no caso, Juncker. O senhor veio cá a Portugal fazer campanha e, ao tentar uma graçola, conseguiu logo a brilhante proeza de dizer que Cristóvão Colombo era português. Livra, também já é azar.