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Alemanha - O Governo alemão foi duramente castigado pelos eleitores. A maior sangria correu por conta do partido de Angela Merkel mas os sociais-democratas, parceiros da coligação, também pagaram pela sua cumplicidade com o desastre social interno, a obsessão orçamental e a estigmatização dos "preguiçosos do Sul", inventada para justificar a imposição das políticas de austeridade, uma quebra inaceitável da solidariedade europeia e uma cedência cobarde às pulsões xenófobas da extrema-direita, principal beneficiária do voto dos descontentes. O ideal, do ponto de vista das reformas europeias inadiáveis, poderia ser a formação de um Governo minoritário dos cristão-democratas, eventualmente, coligados com os Verdes mas suportado nestas áreas por um acordo parlamentar com o SPD que pretende fugir para a Oposição... De outro modo, quaisquer avanços se tornarão difíceis e o futuro da Europa permanece suspenso numa precária levitação.
Catalunha - Só na cartografia, pode o Mundo ser representado a duas dimensões, imóvel e plano. O mapa político do planeta revela a extinção dos velhos impérios coloniais europeus, após a II Guerra Mundial, conforme o direito dos povos à autodeterminação, solenemente proclamado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na Europa contemporânea, o direito dos povos à autodeterminação foi mapeado sobre as guerras religiosas e os projetos imperiais que ao longo de dois milénios a retalharam e recompuseram. A Leste, só nas duas últimas décadas, inúmeras unidades políticas foram desenhadas, com a cumplicidade das potências vizinhas, sobre o mapa da velha União Soviética, dos seus aliados e da extinta Jugoslávia. Por que razão estes arranjos incessantes se haveriam de tornar, agora, definitivos? Vem isto a propósito do escandaloso silêncio sobre a repressão dos autonomistas catalães, brutalmente executada pelo Governo de Mariano Rajoy, em nome da legalidade e da supremacia da Constituição espanhola. Tremendo equívoco! O papel histórico do constitucionalismo democrático - por outras palavras, o Estado de Direito mais a soberania popular - consiste precisamente no inverso: garantir a legitimidade interna e o reconhecimento internacional do "governo do povo, pelo povo e para o povo". Não há argumentos jurídicos ou constitucionais para impedir o referendo. Muito menos para perseguir e prender os seus promotores. Nem se esqueça que uma das maiores glórias da diplomacia portuguesa, há 18 anos, foi a realização de um referendo na Indonésia, em nome do direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste! Os referendos não são uma panaceia universal mas o voto continua a ser a mais fiel e pacífica aproximação à vontade popular. Porque teme Madrid o poder do voto?
Portugal - No próximo domingo temos eleições para os municípios e as freguesias. O poder local desempenhou entre nós um papel essencial na consolidação do regime democrático inaugurado pela Revolução de Abril. O Porto, Fafe ou Matosinhos, são exemplos históricos da dedicação e persistência continuada de autarcas socialistas, no esforço de melhorar as condições de vida das populações. Os resultados são bem visíveis, mesmo onde a alternância política afastou, entretanto, o PS, como acontece em Braga, onde o jovem Miguel Corais é o rosto e a promessa de uma liderança renovada dos socialistas bracarenses. Os eleitos locais legaram um património valioso em matérias tão importantes como a circulação e os transportes, habitação, serviços, infraestruturas desportivas e promoção cultural. Marcaram indelevelmente o território dos municípios, valorizaram os cidadãos e qualificaram as suas expectativas. E, sobretudo, aproximaram o poder das pessoas.
É por tudo isso que se torna tão importante ir votar no domingo: em nome da democracia, do pluralismo e do escrutínio cívico dos nossos representantes!
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL