Já o escrevi noutras ocasiões: o Fisco é o mais tenaz e competente braço da Administração Pública. Porque obedece à lógica pragmática, de busca incessante por resultados (leia-se proveitos orçamentais), porque tem poderes quase plenipotenciários, porque, na essência, opera à margem das agendas partidárias e dos espartilhos ideológicos. Mas sobretudo porque não vacila. E induz medo. Ora, o Grande Irmão vai ficar ainda mais robusto. Por decisão do Parlamento, qualquer cidadão que tenha mais de 50 mil euros num banco verá o seu património bisbilhotado pela Inspeção Tributária. Tenha ou não esse quinhão sido obtido à custa de muito trabalho, de uma vida de poupança ou seja produto de artimanhas financeiras.
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Convenhamos: além de 50 mil euros não serem propriamente uma fortuna, estamos a falar, numa parte considerável, de trabalhadores por conta de outrem que já veem o seu histórico contributivo detalhado por via dos descontos que fazem e no âmbito do escrutínio a que se sujeitam com o programa e-fatura. Além do mais, se o articulado for promulgado nestes moldes pelo presidente da República, bastará aos contribuintes menos condescendentes dispersar o dinheiro por mais do que um banco para o mecanismo de vigilância ficar condenado ao vazio.
Em abono da medida, podemos dizer que quem não deve não teme. E que, também por isso, o fim do sigilo bancário poderá ser determinante para apanhar uns criminosos encartados ou uns escapistas profissionais de impostos. Podemos, até, invocar o progressismo de países europeus que introduziram este instrumento. O problema é que estamos em Portugal, país onde os dados privados acabam sempre por cair nas mãos erradas, ora resvalando para a arena pública, ora escorregando para palcos mais restritos, redundando em formas cobardes de obter ascendente ou exercer coação. A lei aprovada não nos dá garantias suficientes sobre a forma como o Fisco vai proteger estes dados. E isso é que é preocupante. O Parlamento embarcou neste voyeurismo fiscal sem acautelar esta evidência. O mesmo Parlamento que escondeu dos portugueses a lista dos grandes devedores à Banca que andam há anos a ser patrocinados pelos contribuintes agora sob suspeita.
*Diretor-adjunto