Está nos livros: um político que arrisque uma promessa é corrido a demagogo, populista ou ingénuo. Nalguns casos, desrespeitoso. Então quando esse político é primeiro-ministro de Portugal e acena com salários mínimos de 1600 euros e salários médios de 3000 euros (valores brutos), a exaltação é, simultaneamente, cómica e trágica. É verdade que Luís Montenegro falava num evento partidário, nas vésperas de uma greve geral histórica, e que parte dessa ambição tem esse toldo político. Também é verdade que, com a habilidade típica, Montenegro não impôs uma meta temporal para o país dar esse salto. São, por isso, soundbites com uma liberdade de expansão muito lata.
O que sabemos, para já, é que o objetivo definido para o final da legislatura são os 1100 euros para o salário mínimo. E aí o Governo pode, de facto, ter um papel ativo de mudança. Quanto ao salário médio, não depende do otimismo de nenhum primeiro-ministro, mas de múltiplos fatores - internos e externos. Crescimento económico, produtividade, etc. E da capacidade efetiva de as empresas poderem pagar bem acima do que hoje acontece.
Ora, olhando para o que tem sido a evolução média dos salários nos últimos anos em Portugal, teremos pelo menos uma década pela frente até atingirmos os patamares nórdicos que Montenegro augura. Porque somos infelizmente um país de baixos rendimentos, em que uma parte considerável dos trabalhadores ganha tão mal que nem IRS paga. Mas descontando a perenidade do compromisso político assumido pelo primeiro-ministro, há poucos temas que mereçam tanto palco como este. A ambição pode facilmente transformar-se em leviandade, porque o país real é o que sabemos, mas só com melhores salários poderemos ter alguma expectativa de futuro. Querer ganhar mais não é pecado. Não cortemos as pernas à vontade antes do início da corrida.

