O que se segue não é uma historieta, aconteceu de facto. Num dos tristemente famosos tribunais plenários da ditadura, um advogado, em defesa de um dos (oficialmente subversivos...) réus, perguntou a um pide, testemunha de (naturalmente...) acusação, «O que faria se surpreendesse na rua um indivíduo a escrever na parede Paz na Terra aos homens de boa vontade»? E o esbirro respondeu secamente: «Prendia-o».
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Algumas décadas e uma revolução mais tarde, a PSP prendeu na rua indivíduos que gritavam «Sim à paz, não à guerra». Algemou-os com as mãos atrás das costas, como se se tratasse de assassinos ou assaltantes. Foram atirados para carrinhas a abarrotar (ouve-se a voz de um agente a gritar «Está cheia, mete só mais um!») e levados até juízes de instrução. E foram estes os «agitadores» que, temia o Governo, haveriam de pôr em risco a segurança dos nossos ilustres convidados da NATO.
Parece que o Governo investiu milhares de contos (inclusive nos famosos carros blindados que não chegaram a aparecer...) na montagem de um aparelho repressivo de uma aparentemente esperada onda de actos terroristas que poriam Lisboa a ferro e fogo. Depois de treinos intensos, aconteceu o flop que eventualmente deixou frustrados alguns polícias. Porque não houve pneus incendiados nem automóveis voltados, não houve montras de bancos e multinacionais estilhaçadas nem «cocktails Molotov». Apenas desfiles ordeiros e uns tantos líricos a gritar «slogans» contra a NATO.
No final, o primeiro-ministro foi à Polícia manifestar o agradecimento do Governo pelo esforçado contributo das forças da ordem para que a cimeira não tivesse o brilho empanado. E foi então que, vá-se lá saber porquê!, me lembrei da história do pide que prenderia quem desejasse a paz na Terra...
