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É preciso algum topete, muito topete mesmo para dizer, sem corar, o que o ministro das Finanças ontem disse em Bruxelas: Teixeira dos Santos, outrora um ministro respeitado, ofereceu aos partidos da Oposição a abertura do Governo para discutir e negociar as brutais medidades de austeridade apresentadas na passada semana. A oferta foi feita, ainda assim, com os habituais laivos de arrogância: "O Governo está "aberto a sugestões e a negociar", mas "gostaria de ouvir propostas concretas, propostas precisas, alternativas e não meras declarações de negação e de obstrução".
Negação e obstrução. Eis como, sem querer, o ministro de Estado escolheu duas palavras que caracterizam o Governo - está claramente em estado de negação (doença séria!); e é, hoje, uma factor de obstrução ao futuro do país (doença ainda mais séria!). O ponto a que chegamos é de não retorno: é claro que somaremos, dentro de dias ou semanas, uma crise política à crise económica, financeira e social em que estamos mergulhados. Resta-nos pedir aos Deuses que as consequências deste "cocktail" sejam o menos graves possíveis. Para isso é preciso pôr cobro a esta situação pantanosa em que, dia após dia, esmorece o crédito de quem pode mandar e se extingue a coragem de quem pode criar um país melhor.
Como fazê-lo? É evidente que está na altura de o presidente da República tirar as devidas consequências do discurso que proferiu (o pacote de austeridade e a forma como ele foi apresentado, com desrespeito pelos portugueses e subserviência para com o BCE e a Comissão Europeia de Barroso, aceleraram inesperadamente a urgência de uma intervenção definitiva do chefe de Estado). Como é evidente que está na altura de o PSD dizer se quer, ou não, dar-se à maçada de tomar em mãos um país que, apesar de não se aconselhar, tem muito para dar. Impossível é continuar como estamos: a contabilidade dos custos e proveitos políticos, que Sócrates adora mas o país execra, suga-nos, a cada nova pancada nos orçamentos familiares, a coragem de mudar.
Falo por mim: sempre achei, até sexta-feira da semana passada, grave e perigoso juntar uma crise política às outras crises. Deixei de achar, quando Teixeira dos Santos fez o triste número que fez, desrespeitando os partidos da Oposição, o presidente da República, os parceiros sociais. O que o Governo nos pediu, a mando de Bruxelas, foi mais "sangue, suor e lágrimas". Sucede que a questão já não é se estamos dispostos a mais sacrifícios. A questão é se acreditamos em quem nos pede mais sacrifícios. Se não acreditamos, é melhor pormos o conta-quilómetros a zero - e arrancar daí, cientes das dificuldades, com nova gente, novos protagonistas, desejavelmente mais recomendáveis do que os actuais.