A posição 92.0 FM há muito que está fixa no rádio do meu automóvel, muito antes de Luís Montês a ter genialmente baptizado de Rádio Amália, a 6 de Outubro de 2009, dez anos após a morte da diva que universalizou o fado.
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Chamava-se, creio, Rádio Nova Antena, emitia (e ainda emite) a partir de Odivelas, partilhava umas horas da noite com uma comunidade eslava, e tinha (e tem) um alcance restrito à região de Lisboa.
Fui-me transferindo para aquela rádio devido ao meu cada vez mais bilioso divórcio da Antena 2, sequestrada há uns anos por uns iluminados, possuídos de uma erudição peneirenta e de uma arrogância que lhes tem permitido replicar com revoltante sobranceria aos dois provedores que aquela rádio já teve.
Mudei. Para a Rádio Amália - mesmo antes de assim se chamar. Emociono-me mais com o Fado da Meia-Laranja - «Meio-Inferno de Lisboa, onde a morte anda a viver» - de José Manuel Osório, do que com as elucubrações onanistas de um presunçoso a explicar-me não sei que dores de alma de Aaron Copland pelos «índios apalaches» no seu «Appalachian Spring» que - já agora - o compositor começou por lhe chamar «Ballet for Martha», que não consta que fosse índia - e muito menos apalache!
O que a Rádio Amália me proporciona não é só fado, mas toda a música portuguesa de qualidade, dispensando-me de Rutes Marlenes e das brejeiradas pimbas e pisca-pisca. Mas a Rádio Amália é muito mais do que isso: está a repovoar os bairros, entrelaçá-los, gerir comunidades de vizinhos que se dedicam mutuamente as músicas pedidas, tudo isto num caldo de formidáveis gargalhadas prazenteiras desse distribuidor nato de boa disposição chamado Joaquim Maralhas - com vénia para todos os outros que trabalham naquela rádio.
A alegria que é ouvir um vizinho declamar quase todos os nomes dos inquilinos do seu prédio e da sua rua, ressuscitando o Bairro da Bela Vista e retirando-lhe a condição de soturno dormitório de Lisboa. Ou outro a prestar homenagem ao «presidente da república popular de Moscavide» (Viva ele!). A Rádio Amália está a desempenhar o melhor papel de uma rádio: a tecer comunidades.
Por que me lembrei de vos falar da Rádio Amália? Porque estive até há pouco retido duas semanas na China pela fuligem islandesa e a Rádio Amália me fez companhia pela Internet o tempo todo. E como estou a escrever num jornal onde a maioria dos leitores só pode ouvir a Rádio Amália como eu a ouvi na China - pela Internet - queria com eles partilhar este segredo: ainda há uma rádio que nos diz que é possível os portugueses se entenderem - e serem amigos.
Bem-haja Rádio Amália, rádio minha gente!